Capítulo 5
CAPÍTULO 5
1. Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, por vossas misérias, que sobre vós hão de vir.
2. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça.
3. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias.
4. Eis que o jornal dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos exércitos.
5. Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações, como num dia de matança.
6. Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu.
1. Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, por vossas misérias, que sobre vós hão de vir.
2. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça.
3. O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias.
4. Eis que o jornal dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos exércitos.
5. Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações, como num dia de matança.
6. Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu.
1. Eia, pois, agora.
Estão equivocados, conforme penso, aqueles que consideram que Tiago aqui exorta os ricos ao arrependimento. Isto me parece ser uma
simples denúncia do juízo de Deus, pela qual pretendia aterrorizá-los sem dar-lhes nenhuma esperança de perdão – pois tudo o que ele diz tende apenas ao
desespero.
Portanto, ele não se dirige a eles a fim de convidá-los ao arrependimento, mas, pelo contrário, tem em consideração os fiéis, para que estes,
ouvindo sobre a miséria dos ricos, não invejassem a sua fortuna; e também
para que, sabendo que Deus seria vingador das injustiças que sofriam, eles
pudessem suportá-las com um espírito manso e resignado.
Mas ele não fala dos ricos indiscriminadamente, e sim daqueles que, estando
imersos em prazeres e inchados de orgulho, não pensavam em nada além do
mundo, e que, como abismos inesgotáveis, devoravam tudo; pois estes, pela
sua tirania, oprimiam os outros, tal como se evidencia a partir de toda a passagem.
Chorai e pranteai, ou, lamentai chorando.
O arrependimento tem de fato o seu
choro, mas, estando misturado com a consolação, não passa para o pranto.
Então, Tiago sugere que o peso da vingança de Deus será tão terrível e severo
sobre os ricos, que eles serão constrangidos a irromper em pranto – como se
lhes tivesse dito, em poucas palavras: “Ai de vós!”
Mas este é um modo profético de falar – os infiéis terem o castigo que os espera apresentado diante de si,
e serem representados como já o sofrendo. Como, então, agora eles se gabavam, e prometiam a si mesmos que a prosperidade em que se consideravam
felizes seria perpétua, ele declarou que as misérias mais terríveis estavam
quase presentes.
2. As vossas riquezas.
O sentido pode ser duplo: que ele ridiculariza a louca
confiança deles, porque as riquezas em que colocavam sua felicidade eram
totalmente passageiras – sim, que elas podiam ser reduzidas a nada por um
único golpe de Deus; ou que ele condena como avareza insaciável deles, porque amontoavam bens apenas para isto – para que estes perecessem sem
qualquer proveito. Este último sentido é o mais apropriado.
De fato, é verdade
que são insanos aqueles ricos que se gloriam em coisas tão passageiras como
vestes, ouro, prata e coisas semelhantes, uma vez que isto não é nada mais do
que tornar a glória deles sujeita à traça e à ferrugem; e bem conhecido é aquele dito: “O que é mal adquirido logo é perdido”, porquanto a maldição de Deus
consome tudo, pois não é justo que os incrédulos ou os seus herdeiros desfrutem de riquezas que arrebataram, por assim dizer, com violência da mão de
Deus.
Mas, como Tiago enumera os vícios pelos quais os ricos traziam sobre si
mesmos a calamidade que ele menciona, o contexto exige, conforme penso,
que afirmemos que aquilo que ele condena aqui é a avidez extrema dos ricos,
ao reterem tudo de que pudessem lançar mão, para que apodrecesse inutilmente em seus baús. Pois assim era que aquilo que Deus havia criado para
uso dos homens, eles destruíam, como se fossem inimigos da humanidade.
Mas deve-se observar que os vícios que ele menciona aqui não pertencem a
todos os ricos, pois alguns deles se indultam na luxúria, outros gastam muito
em exibição e aparência, e outros são mesquinhos, e vivem miseravelmente
em sua própria imundície.
Saibamos, então, que ele reprova aqui alguns vícios
em alguns, e outros vícios em outros. Contudo, são genericamente condenados todos aqueles que acumulam riquezas injustamente, ou que insensatamente abusam delas.
Mas o que Tiago diz agora não é apropriado apenas para os
ricos de tenacidade extrema (como Êuclio, de Plauto), mas também para aqueles que se deleitam em pompa e luxúria, e no entanto preferem mais ajuntar
riquezas do que empregá-las para fins necessários. Pois tal é a malignidade de
alguns, que invejam dos outros o sol e o ar comuns.
3. Testemunho contra vós.
Ele confirma a explicação que já dei. Pois Deus não
designou o ouro para a ferrugem, nem as vestes para as traças; mas, pelo contrário, ele os projetou como auxílios e socorros à vida humana.
Portanto, até
mesmo gastar sem proveito é um testemunho de desumanidade. O enferrujamento do ouro e da prata serão, por assim dizer, a ocasião de a ira de Deus se
inflamar, de modo que, como fogo, os consumirá.
Entesourastes.
Estas palavras também podem admitir duas explicações: que
os ricos, enquanto vivem, nunca estão satisfeitos, mas se esgotam ajuntando o
que possa ser suficiente até o fim do mundo; ou, que eles amontoam a ira e a
maldição de Deus para o último dia – e eu adoto esta segunda visão.
4. Eis que o jornal.
Agora ele condena a crueldade – a companheira invariável
da avareza. Mas ele se refere apenas a um tipo que, acima de todos os outros,
deve ser justamente considerado odioso. Pois, se um homem justo e bondoso,
como diz Salomão em Pv 12:10, tem consideração pela vida do seu animal, é
uma barbaridade monstruosa quando o homem não sente nenhuma compaixão
por aquele cujo suor empregou em benefício próprio.
Por esta causa o Senhor
proibiu estritamente, na lei, que o salário do trabalhador dormisse conosco (Dt
24:15).
Além disso, Tiago não se refere aos trabalhadores em geral, mas, por
ênfase, menciona lavradores e ceifeiros. Pois o que pode ser mais abjeto do
que serem afligidos pela necessidade aqueles que nos fornecem o pão pelo
seu trabalho?
E, contudo, esta coisa monstruosa é comum; pois existem muitos
de uma disposição tão tirânica que pensam que o resto da humanidade vive
apenas para o seu exclusivo benefício.
Mas ele diz que este salário clama, pois tudo o que os homens retêm, quer por
fraude ou violência, daquilo que pertence a outro, clama por vingança como que em alta voz.
Devemos notar o que ele acrescenta – que os clamores dos
pobres chegam aos ouvidos de Deus – para que saibamos que a injustiça feita
a eles não ficará impune.
Portanto, aqueles que são oprimidos pelos injustos
devem suportar resignadamente seus males, porque terão Deus como seu defensor. E aqueles que têm o poder de fazer o mal devem se abster da injustiça,
para que não provoquem contra si mesmos a Deus, que é o protetor e benfeitor
dos pobres. E por esta razão ele também chama Deus de Senhor de Sabaoth,
ou dos exércitos – sugerindo, através disto, o seu poder e força, pelos quais
torna o seu juízo mais temível.
5. Deliciosamente.
Ele passa agora a outro vício – a saber, a luxúria e as gratificações pecaminosas; pois aqueles que abundam em riqueza raramente se
mantêm dentro dos limites da moderação, mas abusam da sua abundância
através de extremas indulgências.
Existem, de fato, alguns homens ricos, conforme eu disse, que definham em meio à sua abundância. Pois não era sem
razão que os poetas conceberam Tântalo faminto próximo a uma mesa bem
guarnecida. Sempre houve tantalianos no mundo.
Mas Tiago, conforme foi dito,
não fala de todos os ricos. Basta que vejamos este vício comumente prevalecendo entre os ricos – que sejam demasiadamente dados a luxúrias, a pompas
e a superfluidades.
E, embora o Senhor permita que vivam livremente do que possuem, a profusão
deve ser evitada e a frugalidade, praticada.
Pois não era em vão que o Senhor,
pelos seus profetas, reprovava severamente aqueles que dormiam em leitos de
marfim, que usavam unguentos preciosos, que se deleitavam em seus banquetes com o som da harpa, que eram como vacas gordas em ricas pastagens.
Pois todas estas coisas foram ditas com este fim – para que saibamos que a
moderação deve ser observada, e que a extravagância é desagradável a Deus.
Cevastes os vossos corações.
Ele quer dizer que eles se indultavam, não apenas até satisfazer a natureza, mas até onde a sua cupidez os levasse. Ele acrescenta uma comparação: como num dia de matança, porque estavam habituados em seus sacrifícios solenes a comer mais livremente do que de acordo
com os seus hábitos diários. Então, ele diz que os ricos se banqueteavam todos os dias da sua vida porque se imergiam em perpétuas indulgências.
6. Condenastes.
Aqui se segue outro tipo de desumanidade – que os ricos pelo
seu poder oprimissem e destruíssem os pobres e fracos. Ele diz, por uma metáfora, que os justos eram condenados e mortos; pois, quando não os matam
pela sua própria mão, ou os condenam como juízes, eles ainda empregavam a
autoridade que tinham para cometer injustiça, corrompiam os juízos e inventavam diversos artifícios para destruir os inocentes – ou seja, na verdade para
condená-los e matá-los.
Acrescentando que o justo não lhes resistiu, ele sugere que a audácia dos ricos
fora maior; porque aqueles que eles oprimiam estavam sem qualquer proteção.
Contudo, ele os faz lembrar de que mais pronta e imediata seria a vingança de
Deus, quando os pobres não têm nenhuma proteção dos homens. Mas, embora o justo não resistisse, porque devia ter sofrido pacientemente as injustiças,
ainda penso que a fraqueza deles ao mesmo tempo é referida – ou seja, ele
não resistiu, porque estava desprotegido e sem qualquer ajuda dos homens.
7. Sede pois, irmãos, pacientes até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e seródia.
8. Sede vós também pacientes, fortalecei os vossos corações; porque já a vinda do Senhor está próxima.
9. Irmãos, não vos queixeis uns contra os outros, para que näo sejais condenados. Eis que o juiz está à porta.
10. Meus irmãos, tomai por exemplo de aflição e paciência os profetas que falaram em nome do Senhor.
11. Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso.
7. Sede pois, pacientes.
A partir desta inferência, é evidente que aquilo que até aqui se tem dito contra os ricos refere-se à consolação daqueles que pareciam por um momento estar expostos às suas injustiças com impunidade.
Pois, após ter mencionado as causas daquelas calamidades que estavam suspensas sobre os ricos, e tendo declarado esta entre outras – que eles orgulhosa e cruelmente governavam sobre os pobres
Imediatamente acrescenta que nós, que somos injustamente oprimidos, temos esta razão para sermos pacientes – porque Deus se tornaria o Juiz.
Pois isto é o que quer dizer quando afirma: até a vinda do Senhor – ou seja, que a confusão de coisas que agora é vista no mundo não será perpétua, porque o Senhor, na sua vinda, reduzirá as coisas à ordem, e que, portanto, nossas mentes devem entreter boa esperança; pois não é sem razão que a restauração de todas as coisas nos é prometida naquele dia.
E, embora o dia do Senhor seja, em toda a parte da Escritura, chamado de manifestação do seu juízo e graça, quando ele socorre seu povo e castiga os infiéis, ainda prefiro considerar a expressão aqui como se referindo ao nosso livramento final.
Eis que o lavrador.
Paulo refere-se brevemente à mesma comparação, em 2 Tm 2:6, quando diz que o lavrador deve trabalhar antes de colher o fruto; mas Tiago expressa mais plenamente a idéia, pois menciona a paciência diária do lavrador que, após ter depositado a semente na terra, confiantemente, ou ao menos pacientemente, aguarda até que chegue o tempo da colheita; e também não se atormenta porque a terra não produza imediatamente um fruto suculento.
Por onde ele conclui que não devemos ficar imoderamente ansiosos, se agora devemos trabalhar e semear, até que a colheita, por assim dizer, chegue – a saber, o dia do Senhor.
O precioso fruto.
Ele chama de precioso, porque é o sustento da vida e o meio de mantê-la.
E Tiago sugere que, visto como o lavrador suporta que sua vida, tão preciosa a ele, permaneça por muito tempo depositada no seio da terra, e tranquilamente suspende o seu desejo de colher o fruto, não devemos ficar demasiadamente inquietos ou impacientes, mas aguardar resignadamente o dia da nossa redenção.
Não é necessário explicar particularmente as outras partes da comparação.
A chuva temporã e seródia.
Pelas duas palavras, temporã e seródia, são assinaladas duas estações
– a primeira vem logo após a semeadura,
– a outra, quando a espiga está madura.
Assim também falaram os profetas, quando pretendiam anunciar o tempo da chuva (Dt 28:12; Jl 2:23; Os 6:3). E ele mencionou ambas as épocas, a fim de mais plenamente mostrar que os lavradores não ficam desanimados com o lento avanço do tempo, mas toleram a demora.
8. Fortalecei os vossos corações.
Para que ninguém objetasse e dissesse que o tempo de livramento era dilatado por muito tempo, ele impede esta objeção e diz que o Senhor estava próximo, ou (o que é a mesma coisa) que sua vinda estava próxima.
Ao mesmo tempo, manda que corrijamos a brandura do coração, que nos enfraquece, de modo a não perseverarmos na esperança.
E, sem dúvida, o tempo parece longo, porque somos tenros e delicados demais.
Devemos, então, juntar forças para que nos robusteçamos, e isto não pode ser melhor obtido do que pela esperança, e, por assim dizer, por uma visão perceptiva da aproximação iminente de nosso Senhor.
9. Não vos queixeis, ou não gemais.
Como as queixas de muitos eram ouvidas – de que eram mais severamente tratados do que outros – esta passagem é explicada por alguns de tal modo como se Tiago mandasse cada um ficar contente com a sua própria sorte, não invenjando os outros, nem se queixando, se a condição de outros era mais tolerável.
Mas eu tenho outra visão; pois, após ter falado da infelicidade daqueles que angustiam os homens mansos e bons pela sua tirania, agora ele exorta os fiéis a serem justos uns para com os outros, e a estarem prontos a ignorar as ofensas.
Que este é o verdadeiro significado, pode-se deduzir a partir da razão que é acrescentada:
Não vos queixeis uns contra os outros, para que não sejais condenados.
Podemos, de fato, nos queixar, quando algum mal nos atormenta; mas ele se refere a uma queixa acusadora, quando alguém protesta com o Senhor contra outro. E ele declara que assim seriam todos condenados, porque não há um que não ofenda a seus irmãos, e lhes dê ocasião de se queixar.
Ora, se todos reclamassem, todos teriam se acusado a si mesmos, pois ninguém era tão inocente que não causasse algum dano a outros. Deus será o juiz comum de todos.
Qual será então o caso, senão que todo aquele que busca trazer juízo sobre os outros, deve admitir o mesmo contra si – e assim serão entregues à mesma ruína.
Que ninguém, então, peça vingança contra outros, a não ser que queira trazê-la sobre a sua própria cabeça. E, para que não fossem precipitados em fazer reclamações desta natureza, ele declara que o juiz estava às portas.
Pois, como a nossa propensão é profanar o nome de Deus, nas menores ofensas apelamos para o seu juízo. Nenhuma outra coisa é um freio mais apropriado para conter a nossa temeridade do que considerar que nossas imprecações não se desvanecem no ar, porque o juízo de Deus está próximo.
10. Meus irmãos, tomai os profetas.
O conforto que ele traz não é aquele de acordo com o provérbio comum – que os miseráveis esperam por companheiros iguais nas dificuldades. Que apresentasse diante deles companheiros, em cujo número era desejável ser classificado, e ter a mesma condição com eles, não era miséria alguma. Pois, assim como necessariamente sentiremos extrema tristeza, quando nos ocorre algum mal que os filhos de Deus nunca experimentaram, do mesmo modo é uma consolação singular quando sabemos que não sofremos nada de diferente deles; não somente isto, mas quando sabemos que temos de suportar o mesmo jugo com eles.
Quando Jó ouviu de seus amigos: “Vira-te para os santos, podes encontrar alguém que te assemelhe?” (Jó 5:1), era a voz de Satanás, porque este queria levá-lo ao desespero.
Quando, por outro lado, o Espírito, pela boca de Tiago, propõe despertar-nos para uma boa esperança, ele nos mostra todos os santos precedentes, os quais, por assim dizer, estendem a sua mão para nós, e, pelo seu exemplo, nos encorajam a sofrer e a vencer as aflições.
A vida dos homens é, de fato, indiscriminadamente sujeita a dificuldades e adversidades; mas Tiago não apresenta qualquer classe de homens como exemplos – pois de nada valeria perecer com a multidão – mas escolheu os profetas, com os quais uma associação é bem-aventurada.
Nada nos abate e nos desanima tanto como o sentimento de miséria; portanto, é uma verdadeira consolação saber que as coisas comumente consideradas males são auxílios e socorros para a nossa salvação.
Isto é, de fato, algo que está longe de ser compreendido pela carne; contudo, os fiéis devem estar convencidos disto – de que são felizes quando, através de várias dificuldades, são provados pelo Senhor.
Para nos convencer disto, Tiago nos lembra para que consideremos o fim ou o propósito das aflições sofridas pelos profetas; pois, enquanto nossos próprios males, estamos sem discernimento, sendo influenciados pela tristeza, aflição, ou algum outro sentimento imoderado, quando não vemos nada sob um céu nebuloso e em meio a tempestades, e sendo atirados de lá para cá como que por um temporal; por isso é necessário que lancemos nossos olhos para uma outra parte, onde o céu de certo modo esteja sereno e brilhante.
Quando as aflições dos santos são relatadas a nós, não há um que admita que eles foram miseráveis, mas, pelo contrário, que foram felizes.
Então, Tiago fez um favor para nós, pois estabeleceu diante de nós um padrão, para que aprendamos a olhar para o mesmo sempre que sejamos tentados à impaciência ou ao desespero; e ele toma este princípio por certo – que os profetas foram bem-aventurados em suas aflições, pois as suportaram corajosamente. Visto como foi assim, conclui que o mesmo juízo deveria ser formado a nosso respeito, quando afligidos.
E diz: os profetas que falaram em nome do Senhor, por meio de que sugere que foram aceitos e aprovados por Deus.
Se, então, lhes tivesse sido útil que estivessem livres de misérias, sem dúvida Deus os teria mantido livres. Mas foi o contrário. Por onde segue-se que as aflições são salutares para os fiéis.
Por isso, ele manda que sejam tomados como exemplo de aflição sofredora. Mas a paciência também deve ser acrescentada, a qual é uma verdadeira evidência da nossa obediência. Por isso uniu ambas.
11. A paciência de Jó.
Tendo falado genericamente dos profetas, agora ele se refere a um exemplo notável acima dos demais; pois ninguém, até onde podemos aprender pelas histórias, jamais foi submetido a dificuldades tão duras e diversas como Jó; e, contudo, ele saiu de abismo tão profundo.
Todo aquele, então, que imitar a sua paciência, sem duvida descobrirá que a mão de Deus, que finalmente o livrou, é a mesma.
Sabemos com que finalidade sua história foi escrita. Deus não permitiu que seu servo Jó afundasse, porque este pacientemente suportou suas aflições.
Então, ele não desapontará a paciência de ninguém. Se, porém, for questionado: Por que o Apóstolo recomenda tanto a paciência de Jó, quando este mostrou tantos sinais de impaciência, sendo arrebatado por um espírito precipitado?
A isto eu respondo que, embora às vezes falhasse devido à fraqueza da carne, ou murmurasse dentro de si, contudo ele sempre se sujeitou a Deus, e sempre esteve disposto a ser refreado e governado por ele.
Embora, então, sua paciência fosse um tanto deficiente, ela é merecidamente recomendada.
O fim que o Senhor. Por estas palavras ele sugere que as aflições devem sempre ser estimadas pelo seu fim. Pois, a princípio, Deus parece estar mui distante, e Satanás ao mesmo tempo se revela na confusão; a carne nos sugere que estamos abandonados por Deus, e perdidos. Devemos, então, estender a nossa visão mais além, pois perto de nós e à nossa volta não se mostra nenhuma luz.
Além disso, ele chamou de o fim do Senhor, porque é a sua obra dar um resultado próspero às adversidades. Se cumprimos o nosso dever em suportar os males obedientemente, de modo algum ele deixará de cumprir a sua parte.
A esperança nos direciona apenas para o fim; Deus se mostrará então mui misericordioso, por mais rígido e severo que possa parecer enquanto nos aflige
12. Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem façais qualquer outro juramento; mas que a vossa palavra seja sim, sim, e não, não; para que não caiais em condenação.
13. Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores.
14. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor.
15. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
16. Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos
14. Está alguém entre vós doente?
12. Mas, sobretudo.
Tem sido um vício comum em quase todas as épocas jurar leviana e irrefletidamente.
Pois tão ruim é a nossa natureza que não consideramos que crime atroz é profanar o nome de Deus. Pois, embora o Senhor estritamente nos mande reverenciarmos o seu nome, os homens inventam vários subterfúgios, e pensam que podem jurar com impunidade.
Eles imaginam, então, que não existe nenhum mal, desde que não mencionem abertamente o nome de Deus; e esta é uma antiga interpretação.
Por isso os judeus, quando juravam pelo céu ou pela terra, pensavam que não profanavam o nome de Deus porque não o mencionassem. Mas, enquanto os homens procuram ser engenhosos em dissimular com Deus, enganam-se com as evasivas mais frívolas.
Fora uma vã desculpa desta natureza que Cristo condenou em Mt 5:34.
Tiago, subscrevendo agora ao decreto de seu mestre, manda-nos abstermos destas forma indireta de juramento, pois todo aquele que jura em vão e em ocasiões frívolas, profana o nome de Deus, seja qual for a forma que dê às suas palavras.
Então, o sentido é de que não é mais legítimo jurar pelo céu ou pela terra do que abertamente pelo nome de Deus.
A razão é mencionada por Cristo – porque a glória de Deus está inscrita em toda a parte, e em toda a parte resplandece. Não somente isto, mas os homens não tomam as palavras céu e terra, em seus juramentos, em outro sentido e com outro propósito senão como se citassem o próprio Deus – pois assim falando, apenas designam o Criador pelas suas obras.
Mas ele diz: sobretudo, porque a profanação do nome de Deus não é uma ofensa leve.
Os anabatistas, fundamentando-se sobre esta passagem, condenam todos os juramentos, mas apenas mostram a sua ignorância. Pois Tiago não fala dos juramentos em geral, nem Cristo, na passagem a que me referi; mas ambos condenam aquela evasiva que havia sido inventada – quando os homens tomam a liberdade de jurar sem expressar o nome de Deus – o que era uma liberdade repugnante à proibição da lei.
E é isto o que as palavras claramente significam: Nem pelo céu, nem pela terra.
Pois, se a questão fosse quanto aos juramentos em si, com que propósito estas formas foram mencionadas? Então, torna-se evidente que, tanto por Cristo como por Tiago, é reprovada a astúcia pueril daqueles que ensinavam que podiam jurar com impunidade, desde que adotassem alguma expressão indireta.
Para que possamos, então, entender o sentido de Tiago, devemos entender primeiro o preceito da lei:
“Não tomarás o nome de Deus em vão”.
Por onde se torna claro que existe um uso correto e legítimo do nome de Deus.
Ora, Tiago condena aqueles que, de fato, não se atreviam a profanar de modo direto o nome de Deus, mas se esforçavam por evadir-se à profanação que a lei condena por meio de circunlocuções.
Mas que seja o vosso sim, sim. Ele apresenta o melhor remédio para corrigir o vício que condena – ou seja, que eles deviam habitualmente se limitar à verdade e fidelidade em todos os seus ditos. Pois de onde vem o ímpio hábito de jurar, senão porque tal é a falsidade dos homens que somente as suas palavras não são cridas? Pois, se observassem a fidelidade, como deveriam, em suas palavras, não haveria necessidade de tantos juramentos supérfluos.
Como, então, a perfídia ou leviandade dos homens é a fonte da qual se deriva o vício dos juramentos, a fim de remover o vício, Tiago ensina-nos que a fonte deve ser removida; pois o modo correto de curar é começando com a causa da doença.
Algumas cópias trazem: “Seja a vossa palavra (ou discurso) sim, sim; não, não”.
Contudo, a verdadeira leitura, e a comumente recebida, é a que forneci; e o que ele quer dizer eu já expliquei – isto é, que devemos dizer a verdade, e ser fiéis em nossas palavras.
Com o mesmo propósito é o que Paulo diz em 2 Co 1:18 – que ele não era em sua pregação sim e não, mas seguia a mesma direção desde o começo. Para que não caiais em condenação.
Existe uma leitura diferente, devido à afinidade das palavras ὑπὸ κρίσιν e ὑπόκρισιν.
Se lerdes: “em juízo” ou condenação, o sentido será claramente de que tomar o nome de Deus em vão não ficará impune. Mas não é inadequado dizer: “em hipocrisia”, porque, quando a simplicidade, conforme já foi dito, prevalece entre nós, a ocasião para juramentos supérfluos é cortada.
Se, então, a fidelidade se mostra em tudo o que dizemos, a dissimulação, que nos leva a jurar temerariamente, será removida.
Está alguém entre vós aflito?
Ele quer dizer que não há tempo em que Deus não nos convide a si. Pois as aflições devem nos estimular à oração; a prosperidade nos fornece ocasião para louvarmos a Deus.
Mas tal é a perversidade dos homens que não podem se regozijar sem se esquecer de Deus, e que, quando afligidos, são abatidos e levados ao desespero. Devemos, então, nos manter dentro dos devidos limites, de modo que a alegria, que normalmente nos faz esquecer de Deus, possa nos induzir a anunciar a bondade de Deus; e que a nossa tristeza possa nos ensinar a orar.
Pois ele pôs o cantar de salmos em oposição à alegria profana e desenfreada; e assim expressam sua alegria aqueles que pela prosperidade são levados, tal como deveriam, a Deus.
14. Está alguém entre vós doente?
A forma dada por Tiago ao dom da cura era de direcionar os doentes a recorrerem a esse remédio.
De fato, é certo que nem todos eram curados; mas o Senhor concedia este favor quantas vezes e até onde sabia ser oportuno; e também não é provável que o óleo fosse aplicado indiscriminadamente, mas somente quando houvesse alguma esperança de restauração.
Pois, juntamente com o poder, também fora dada discrição aos ministros, para que não profanassem o símbolo pelo abuso.
O propósito de Tiago não era outro senão recomendar a graça de Deus de que os fiéis podiam então desfrutar, para que o seu benefício não fosse perdido por desprezo ou negligência.
Com este propósito, ele ordenou que os presbíteros fossem buscados, mas o uso da unção deveria ser confinado ao poder do Espírito Santo.
Os papistas se jactam muitíssimo desta passagem, quando procuram passar a sua extrema unção.
Mas quão diferente é a corrupção deles da antiga ordenança mencionada por Tiago.
No momento, não me ocuparei de demonstrar.
Que os leitores aprendam isto pelas minhas Institutas.
Apenas direi isto – que esta passagem é ímpia e ignorantemente pervertida quando a extrema unção é estabelecida através dela, e é chamada de sacramento a ser perpetuamente observado na Igreja.
De fato, admito que foi usada como um sacramento pelos discípulos de Cristo (pois não posso concordar com aqueles que pensam que fosse remédio); mas, como a realidade deste sinal perdurou apenas por um período de tempo na Igreja, o símbolo também deveria existir apenas por um tempo.
E está bem evidente que nada é mais absurdo do que chamar de sacramento aquilo que é nulo e não nos apresenta realmente o que significa.
Que o dom de cura foi temporário, todos são obrigados a admitir, e os eventos provam claramente; nesse caso, o seu sinal não deveria ser considerado perpétuo.
Por onde segue-se que aqueles que atualmente põem a unção entre os sacramentos não são os verdadeiros seguidores, e sim macaqueadores dos Apóstolos, a não ser que restaurem o efeito produzido por ela – o qual Deus retirou do mundo há mais de mil e quatrocentos anos.
Por isso não temos nenhuma disputa quanto a se a unção fora antes um sacramento; mas se ela foi dada para existir perpetuamente.
Este último negamos, porque é evidente que a coisa significada há muito cessou.
Os presbíteros, ou anciãos, da igreja.
Incluo aqui genericamente todos os que presidiam sobre a Igreja, pois não somente os pastores eram chamados de presbíteros ou anciãos, mas também aqueles que eram eleitos dentre o povo para serem como que censores para garantir a disciplina.
Pois toda a igreja possuía, por assim dizer, o seu próprio senado, escolhido dentre homens de influência e integridade comprovada.
Mas como era costumeiro escolher especialmente aqueles que eram dotados de dons mais do que ordinários, ele os mandou buscar os anciãos, como sendo aqueles em quem o poder e a graça do Espírito Santo mais particularmente se revelava.
Orem sobre ele.
Este costume de orar sobre alguém tinha a finalidade de mostrar que eles estavam como que diante de Deus; pois, quando chegamos como que à própria cena, expressamos orações com maior sentimento; e não apenas Eliseu e Paulo, mas o próprio Cristo, estimularam o fervor na oração e recomendaram a graça de Deus assim orando pelas pessoas (2 Rs 4:32; At 20:10; Jo 11:41).
15. A oração da fé salvará.
Mas deve-se observar que ele relaciona a promessa com a oração para que não fosse feita sem fé. Pois aquele que duvida, como alguém que não invoca corretamente a Deus, é indigno de obter qualquer coisa, conforme vimos em Tg 1:5-8.
Todo aquele então que realmente procura ser ouvido deve estar plenamente persuadido de que não ora em vão. Como Tiago apresenta diante de nós este dom especial, para o qual o ritual externo era apenas um acréscimo, por aqui aprendemos que o óleo não poderia ser usado corretamente sem fé.
Mas, visto como se torna evidente que os papistas não têm nenhuma certeza quanto à sua unção, pois é manifesto que eles não têm o dom, é evidente que a unção deles é espúria.
E, se houver cometido pecados.
Isto não é acrescentado apenas por ênfase – como se tivesse dito que Deus daria algo mais ao doente além da cura do corpo – mas porque as doenças eram muitas vezes infligidas por conta de pecados; e, falando da sua remissão, ele sugere que a causa do mal seria removida.
E, de fato, sabemos que Davi, quando afligido com a doença e, procurando alívio, empenhara-se totalmente em buscar o perdão dos seus pecados. Por que razão fez isto, senão porque, embora reconhecesse o efeito das suas faltas em seu castigo, considerasse que não houvesse outro remédio, a não ser que o Senhor deixasse de lhe imputar os seus pecados?
Os profetas estão cheios desta doutrina – de que os homens são socorridos de seus males quando são libertados da culpa das suas iniquidades.
Saibamos então que este é o único remédio apropriado para nossas doenças e outras calamidades – quando atentamente nos examinamos, sendo solícitos em nos reconciliar com Deus, e obter o perdão de nossos pecados.
16. Confessai as vossas culpas uns aos outros.
Em algumas cópias é apresentada a partícula ilativa, e também não é inapropriada, pois, mesmo quando não expressa, deve ser subentendida.
Ele havia dito que os pecados seriam perdoados aos doentes sobre os quais os anciãos orassem; agora, lembra-os de quão útil é revelar nossos pecados aos nossos irmãos – isto é, para que possamos obter o perdão dos mesmos pela sua intercessão.Sei que esta passagem é explicada por muitos como se referindo à reconciliação de ofensas; pois aqueles que querem voltar em favor devem necessariamente conhecer primeiro as suas próprias faltas e confessá-las.
Pois de onde vem que os ódios lancem raízes, sim, e aumentem e se tornem irreconciliáveis, senão porque cada um defenda perniciosamente a sua própria causa.
Por isso muitos pensam que Tiago aponta aqui o meio da reconciliação fraternal – a saber, pelo reconhecimento mútuo dos pecados. Mas, conforme se disse, seu objetivo era diferente; pois relaciona a oração mútua com a confissão mútua, por meio de que sugere que a confissão serve a este fim – que possamos ser ajudados quanto a Deus pelas orações de nossos irmãos; pois aqueles que conhecem as nossas necessidades são estimulados a orar para nos auxiliar, mas aqueles a quem nossas doenças são desconhecidas são mais tardios em nos trazer auxílio.
17. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós e, orando, pediu que não chovesse e, por três anos e seis meses, não choveu sobre a terra.
18. E orou outra vez, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto.
19. Irmãos, se algum dentre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter,
20. Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados
Pode muito.
Para que ninguém pense que isto é feito sem fruto – ou seja, quando outros oram por nós – ele menciona expressamente o benefício e o efeito da oração.
Mas ele nomeia especificamente a oração de um reto ou justo; porque Deus não ouve aos infiéis, nem é aberto o acesso a Deus, senão através de uma boa consciência; não que as nossas orações estejam fundamentadas em nossa própria dignidade, e sim porque o coração deve ser purificado pela fé antes de podermos nos apresentar diante de Deus.
Então, Tiago testifica que o justo ou fiel ora beneficamente por nós, e não sem fruto.
Mas o que ele quer dizer, ao acrescentar efetiva ou eficaz?
Pois isto parece supérfluo, já que, se a oração pode muito, sem dúvida é eficaz.
O intérprete antigo traduziu como “assídua”, mas isto é forçado demais. Pois Tiago usa o particípio grego, ἐνεργούµεναι, que significa “operante”.
E a sentença pode ser explicada assim: “pode muito, porque é eficaz”.
Como é um argumento tirado deste princípio – que Deus não permitirá que as orações dos fiéis sejam nulas ou inúteis – por isso, não injustamente ele conclui que ela pode muito.
Mas eu preferiria confinar isto ao presente caso: nossas orações podem ser apropriadamente consideradas ἐνεργούµεναι (operantes), quando vem ao nosso encontro alguma necessidade que incite em nós uma oração sincera.
Oramos diariamente por toda a Igreja, para que Deus perdoe os seus pecados; mas, nesse caso, nossa oração só é realmente sincera quando nos apresentamos para socorrer aqueles que estão em dificuldade.
Mas tal eficácia não pode estar nas orações de nossos irmãos, a não ser que saibam que estamos em dificuldades. Por isso a razão dada não é genérica, mas deve-se referi-la especialmente à sentença anterior.
17. Elias era homem.
Existem inúmeros casos na Escritura do que pretendia provar; mas ele escolheu um que é notável acima de todos os demais, pois foi algo formidável que Deus fizesse o céu de certo modo sujeitar-se às orações de Elias, obedecendo aos seus desejos.
Elias manteve o céu fechado pelas suas orações durante três anos e meio; e abriu-o novamente, de modo que derramou abundância de chuva.
Por onde se revelou o poder maravilhoso da oração. Bem conhecida é esta notável história, e encontra-se em 1 Rs 17 e 18. E, embora ali não se diga expressamente que Elias orou pedindo seca, pode-se facilmente deduzir isto, e que a chuva também fora dada em resposta às suas orações.
Mas devemos observar a aplicação do exemplo.
Tiago não diz que se deve pedir seca ao Senhor porque Elias a obteve; pois podemos, por zelo irrefletido, imitar presunçosa e insensatamente o Profeta.
Devemos então observar a regra da oração, de modo que ela seja pela fé.
Portanto, ele assim acomoda este exemplo – que, se Elias foi ouvido, do mesmo modo também seremos ouvidos quando orarmos corretamente. Pois, assim como a ordem para a oração é comum, e assim como a promessa é comum, segue-se que o efeito também será comum.
Para que ninguém objetasse e dissesse que estamos mui longe da dignidade de Elias, ele o coloca em nosso próprio nível, dizendo que era homem mortal e sujeito às mesmas paixões que nós.
Pois tiramos menos proveito dos exemplos dos santos porque os imaginamos terem sido semideuses ou heróis, que tinham uma comunicação peculiar com Deus; de modo que, pelo fato de terem sido ouvidos não recebemos nenhuma confiança.
A fim de remover esta superstição profana e pagã, Tiago nos lembra de que os santos devem ser considerados como tendo a fraqueza da carne; de modo que aprendamos a atribuir o que alcançaram do Senhor, não aos seus méritos, e sim à eficácia da oração.
Por aqui se mostra quão pueris são os papistas, os quais ensinam os homens a correrem para a proteção dos santos, porque estes foram ouvidos pelo Senhor. Pois assim raciocinam: “Porque ele alcançou o que pediu enquanto viveu no mundo, agora, depois da morte, será o nosso melhor benfeitor”.
Este tipo de requinte sutil era completamente desconhecido ao Espírito Santo. Pois Tiago argumenta que, pelo contrário, assim como as orações deles puderam muito, também devemos, de modo semelhante, orar hoje de acordo com o exemplo deles, e que não faremos isto em vão.
20. Saiba.
Estou em dúvida se isto deveria antes ter sido escrito γιvώσκετε, “sabeis”. Em ambos os casos, porém, o sentido é o mesmo. Pois Tiago recomenda-nos a correção de nossos irmãos a partir do efeito produzido, para que mais assiduamente atentemos para este dever.
Nada é melhor ou mais desejável do que livrar uma alma da morte eterna; e isto é o que faz aquele que restaura um irmão errante ao caminho reto; portanto, uma obra tão excelente não deve de modo algum ser negligenciada.
Dar comida aos famintos, e bebida aos sedentos – sabemos o quanto Cristo valoriza tais atos; mas a salvação da alma é considerada por ele muito mais preciosa do que a vida do corpo.
Devemos, portanto, ter cuidado para que, pela nossa indolência, não pereçam as almas cuja salvação de certo modo Deus põe em nossas mãos. Não que possamos conferir a salvação a elas; mas Deus, pelo nosso ministério, livra e salva aqueles que parecem, de outro modo, estar próximos da destruição.
Algumas cópias trazem sua alma, o que não provoca nenhuma mudança no sentido.
Contudo, prefiro a outra leitura, pois tem mais força.
E cobrirá uma multidão de pecados.
Ele faz mais uma alusão a um dito de Salomão do que uma citação (Pv 10:12).
Salomão afirma que o amor cobre pecados, assim como o ódio os proclama.
Pois aqueles que odeiam ardem com o desejo da difamação mútua; mas aqueles que amam estão dispostos ao exercício da indulgência mútua.
O amor, então, sepulta pecados quanto aos homens.
Tiago ensina aqui algo mais elevado – ou seja, que os pecados são apagados diante de Deus; como se tivesse dito que Salomão declarou isto como o fruto do amor – que o mesmo cobre pecados.
Mas não existe nenhum modo melhor ou mais excelente de cobri-los do que quando são completamente abolidos diante de Deus. E isto é feito quando o pecador é trazido, pela nossa admoestação, ao caminho reto; devemos então atentar especialmente e ainda mais cuidadosamente para este dever.
7.
7. Sede pois, irmãos, pacientes até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e seródia.
8. Sede vós também pacientes, fortalecei os vossos corações; porque já a vinda do Senhor está próxima.
9. Irmãos, não vos queixeis uns contra os outros, para que näo sejais condenados. Eis que o juiz está à porta.
10. Meus irmãos, tomai por exemplo de aflição e paciência os profetas que falaram em nome do Senhor.
11. Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu; porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso.
7. Sede pois, pacientes.
A partir desta inferência, é evidente que aquilo que até aqui se tem dito contra os ricos refere-se à consolação daqueles que pareciam por um momento estar expostos às suas injustiças com impunidade.
Pois, após ter mencionado as causas daquelas calamidades que estavam suspensas sobre os ricos, e tendo declarado esta entre outras – que eles orgulhosa e cruelmente governavam sobre os pobres
Imediatamente acrescenta que nós, que somos injustamente oprimidos, temos esta razão para sermos pacientes – porque Deus se tornaria o Juiz.
Pois isto é o que quer dizer quando afirma: até a vinda do Senhor – ou seja, que a confusão de coisas que agora é vista no mundo não será perpétua, porque o Senhor, na sua vinda, reduzirá as coisas à ordem, e que, portanto, nossas mentes devem entreter boa esperança; pois não é sem razão que a restauração de todas as coisas nos é prometida naquele dia.
E, embora o dia do Senhor seja, em toda a parte da Escritura, chamado de manifestação do seu juízo e graça, quando ele socorre seu povo e castiga os infiéis, ainda prefiro considerar a expressão aqui como se referindo ao nosso livramento final.
Eis que o lavrador.
Paulo refere-se brevemente à mesma comparação, em 2 Tm 2:6, quando diz que o lavrador deve trabalhar antes de colher o fruto; mas Tiago expressa mais plenamente a idéia, pois menciona a paciência diária do lavrador que, após ter depositado a semente na terra, confiantemente, ou ao menos pacientemente, aguarda até que chegue o tempo da colheita; e também não se atormenta porque a terra não produza imediatamente um fruto suculento.
Por onde ele conclui que não devemos ficar imoderamente ansiosos, se agora devemos trabalhar e semear, até que a colheita, por assim dizer, chegue – a saber, o dia do Senhor.
O precioso fruto.
Ele chama de precioso, porque é o sustento da vida e o meio de mantê-la.
E Tiago sugere que, visto como o lavrador suporta que sua vida, tão preciosa a ele, permaneça por muito tempo depositada no seio da terra, e tranquilamente suspende o seu desejo de colher o fruto, não devemos ficar demasiadamente inquietos ou impacientes, mas aguardar resignadamente o dia da nossa redenção.
Não é necessário explicar particularmente as outras partes da comparação.
A chuva temporã e seródia.
Pelas duas palavras, temporã e seródia, são assinaladas duas estações
– a primeira vem logo após a semeadura,
– a outra, quando a espiga está madura.
Assim também falaram os profetas, quando pretendiam anunciar o tempo da chuva (Dt 28:12; Jl 2:23; Os 6:3). E ele mencionou ambas as épocas, a fim de mais plenamente mostrar que os lavradores não ficam desanimados com o lento avanço do tempo, mas toleram a demora.
8. Fortalecei os vossos corações.
Para que ninguém objetasse e dissesse que o tempo de livramento era dilatado por muito tempo, ele impede esta objeção e diz que o Senhor estava próximo, ou (o que é a mesma coisa) que sua vinda estava próxima.
Ao mesmo tempo, manda que corrijamos a brandura do coração, que nos enfraquece, de modo a não perseverarmos na esperança.
E, sem dúvida, o tempo parece longo, porque somos tenros e delicados demais.
Devemos, então, juntar forças para que nos robusteçamos, e isto não pode ser melhor obtido do que pela esperança, e, por assim dizer, por uma visão perceptiva da aproximação iminente de nosso Senhor.
9. Não vos queixeis, ou não gemais.
Como as queixas de muitos eram ouvidas – de que eram mais severamente tratados do que outros – esta passagem é explicada por alguns de tal modo como se Tiago mandasse cada um ficar contente com a sua própria sorte, não invenjando os outros, nem se queixando, se a condição de outros era mais tolerável.
Mas eu tenho outra visão; pois, após ter falado da infelicidade daqueles que angustiam os homens mansos e bons pela sua tirania, agora ele exorta os fiéis a serem justos uns para com os outros, e a estarem prontos a ignorar as ofensas.
Que este é o verdadeiro significado, pode-se deduzir a partir da razão que é acrescentada:
Não vos queixeis uns contra os outros, para que não sejais condenados.
Podemos, de fato, nos queixar, quando algum mal nos atormenta; mas ele se refere a uma queixa acusadora, quando alguém protesta com o Senhor contra outro. E ele declara que assim seriam todos condenados, porque não há um que não ofenda a seus irmãos, e lhes dê ocasião de se queixar.
Ora, se todos reclamassem, todos teriam se acusado a si mesmos, pois ninguém era tão inocente que não causasse algum dano a outros. Deus será o juiz comum de todos.
Qual será então o caso, senão que todo aquele que busca trazer juízo sobre os outros, deve admitir o mesmo contra si – e assim serão entregues à mesma ruína.
Que ninguém, então, peça vingança contra outros, a não ser que queira trazê-la sobre a sua própria cabeça. E, para que não fossem precipitados em fazer reclamações desta natureza, ele declara que o juiz estava às portas.
Pois, como a nossa propensão é profanar o nome de Deus, nas menores ofensas apelamos para o seu juízo. Nenhuma outra coisa é um freio mais apropriado para conter a nossa temeridade do que considerar que nossas imprecações não se desvanecem no ar, porque o juízo de Deus está próximo.
10. Meus irmãos, tomai os profetas.
O conforto que ele traz não é aquele de acordo com o provérbio comum – que os miseráveis esperam por companheiros iguais nas dificuldades. Que apresentasse diante deles companheiros, em cujo número era desejável ser classificado, e ter a mesma condição com eles, não era miséria alguma. Pois, assim como necessariamente sentiremos extrema tristeza, quando nos ocorre algum mal que os filhos de Deus nunca experimentaram, do mesmo modo é uma consolação singular quando sabemos que não sofremos nada de diferente deles; não somente isto, mas quando sabemos que temos de suportar o mesmo jugo com eles.
Quando Jó ouviu de seus amigos: “Vira-te para os santos, podes encontrar alguém que te assemelhe?” (Jó 5:1), era a voz de Satanás, porque este queria levá-lo ao desespero.
Quando, por outro lado, o Espírito, pela boca de Tiago, propõe despertar-nos para uma boa esperança, ele nos mostra todos os santos precedentes, os quais, por assim dizer, estendem a sua mão para nós, e, pelo seu exemplo, nos encorajam a sofrer e a vencer as aflições.
A vida dos homens é, de fato, indiscriminadamente sujeita a dificuldades e adversidades; mas Tiago não apresenta qualquer classe de homens como exemplos – pois de nada valeria perecer com a multidão – mas escolheu os profetas, com os quais uma associação é bem-aventurada.
Nada nos abate e nos desanima tanto como o sentimento de miséria; portanto, é uma verdadeira consolação saber que as coisas comumente consideradas males são auxílios e socorros para a nossa salvação.
Isto é, de fato, algo que está longe de ser compreendido pela carne; contudo, os fiéis devem estar convencidos disto – de que são felizes quando, através de várias dificuldades, são provados pelo Senhor.
Para nos convencer disto, Tiago nos lembra para que consideremos o fim ou o propósito das aflições sofridas pelos profetas; pois, enquanto nossos próprios males, estamos sem discernimento, sendo influenciados pela tristeza, aflição, ou algum outro sentimento imoderado, quando não vemos nada sob um céu nebuloso e em meio a tempestades, e sendo atirados de lá para cá como que por um temporal; por isso é necessário que lancemos nossos olhos para uma outra parte, onde o céu de certo modo esteja sereno e brilhante.
Quando as aflições dos santos são relatadas a nós, não há um que admita que eles foram miseráveis, mas, pelo contrário, que foram felizes.
Então, Tiago fez um favor para nós, pois estabeleceu diante de nós um padrão, para que aprendamos a olhar para o mesmo sempre que sejamos tentados à impaciência ou ao desespero; e ele toma este princípio por certo – que os profetas foram bem-aventurados em suas aflições, pois as suportaram corajosamente. Visto como foi assim, conclui que o mesmo juízo deveria ser formado a nosso respeito, quando afligidos.
E diz: os profetas que falaram em nome do Senhor, por meio de que sugere que foram aceitos e aprovados por Deus.
Se, então, lhes tivesse sido útil que estivessem livres de misérias, sem dúvida Deus os teria mantido livres. Mas foi o contrário. Por onde segue-se que as aflições são salutares para os fiéis.
Por isso, ele manda que sejam tomados como exemplo de aflição sofredora. Mas a paciência também deve ser acrescentada, a qual é uma verdadeira evidência da nossa obediência. Por isso uniu ambas.
11. A paciência de Jó.
Tendo falado genericamente dos profetas, agora ele se refere a um exemplo notável acima dos demais; pois ninguém, até onde podemos aprender pelas histórias, jamais foi submetido a dificuldades tão duras e diversas como Jó; e, contudo, ele saiu de abismo tão profundo.
Todo aquele, então, que imitar a sua paciência, sem duvida descobrirá que a mão de Deus, que finalmente o livrou, é a mesma.
Sabemos com que finalidade sua história foi escrita. Deus não permitiu que seu servo Jó afundasse, porque este pacientemente suportou suas aflições.
Então, ele não desapontará a paciência de ninguém. Se, porém, for questionado: Por que o Apóstolo recomenda tanto a paciência de Jó, quando este mostrou tantos sinais de impaciência, sendo arrebatado por um espírito precipitado?
A isto eu respondo que, embora às vezes falhasse devido à fraqueza da carne, ou murmurasse dentro de si, contudo ele sempre se sujeitou a Deus, e sempre esteve disposto a ser refreado e governado por ele.
Embora, então, sua paciência fosse um tanto deficiente, ela é merecidamente recomendada.
O fim que o Senhor. Por estas palavras ele sugere que as aflições devem sempre ser estimadas pelo seu fim. Pois, a princípio, Deus parece estar mui distante, e Satanás ao mesmo tempo se revela na confusão; a carne nos sugere que estamos abandonados por Deus, e perdidos. Devemos, então, estender a nossa visão mais além, pois perto de nós e à nossa volta não se mostra nenhuma luz.
Além disso, ele chamou de o fim do Senhor, porque é a sua obra dar um resultado próspero às adversidades. Se cumprimos o nosso dever em suportar os males obedientemente, de modo algum ele deixará de cumprir a sua parte.
A esperança nos direciona apenas para o fim; Deus se mostrará então mui misericordioso, por mais rígido e severo que possa parecer enquanto nos aflige
12. Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem façais qualquer outro juramento; mas que a vossa palavra seja sim, sim, e não, não; para que não caiais em condenação.
13. Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores.
14. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor.
15. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
16. Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos
14. Está alguém entre vós doente?
12. Mas, sobretudo.
Tem sido um vício comum em quase todas as épocas jurar leviana e irrefletidamente.
Pois tão ruim é a nossa natureza que não consideramos que crime atroz é profanar o nome de Deus. Pois, embora o Senhor estritamente nos mande reverenciarmos o seu nome, os homens inventam vários subterfúgios, e pensam que podem jurar com impunidade.
Eles imaginam, então, que não existe nenhum mal, desde que não mencionem abertamente o nome de Deus; e esta é uma antiga interpretação.
Por isso os judeus, quando juravam pelo céu ou pela terra, pensavam que não profanavam o nome de Deus porque não o mencionassem. Mas, enquanto os homens procuram ser engenhosos em dissimular com Deus, enganam-se com as evasivas mais frívolas.
Fora uma vã desculpa desta natureza que Cristo condenou em Mt 5:34.
Tiago, subscrevendo agora ao decreto de seu mestre, manda-nos abstermos destas forma indireta de juramento, pois todo aquele que jura em vão e em ocasiões frívolas, profana o nome de Deus, seja qual for a forma que dê às suas palavras.
Então, o sentido é de que não é mais legítimo jurar pelo céu ou pela terra do que abertamente pelo nome de Deus.
A razão é mencionada por Cristo – porque a glória de Deus está inscrita em toda a parte, e em toda a parte resplandece. Não somente isto, mas os homens não tomam as palavras céu e terra, em seus juramentos, em outro sentido e com outro propósito senão como se citassem o próprio Deus – pois assim falando, apenas designam o Criador pelas suas obras.
Mas ele diz: sobretudo, porque a profanação do nome de Deus não é uma ofensa leve.
Os anabatistas, fundamentando-se sobre esta passagem, condenam todos os juramentos, mas apenas mostram a sua ignorância. Pois Tiago não fala dos juramentos em geral, nem Cristo, na passagem a que me referi; mas ambos condenam aquela evasiva que havia sido inventada – quando os homens tomam a liberdade de jurar sem expressar o nome de Deus – o que era uma liberdade repugnante à proibição da lei.
E é isto o que as palavras claramente significam: Nem pelo céu, nem pela terra.
Pois, se a questão fosse quanto aos juramentos em si, com que propósito estas formas foram mencionadas? Então, torna-se evidente que, tanto por Cristo como por Tiago, é reprovada a astúcia pueril daqueles que ensinavam que podiam jurar com impunidade, desde que adotassem alguma expressão indireta.
Para que possamos, então, entender o sentido de Tiago, devemos entender primeiro o preceito da lei:
“Não tomarás o nome de Deus em vão”.
Por onde se torna claro que existe um uso correto e legítimo do nome de Deus.
Ora, Tiago condena aqueles que, de fato, não se atreviam a profanar de modo direto o nome de Deus, mas se esforçavam por evadir-se à profanação que a lei condena por meio de circunlocuções.
Mas que seja o vosso sim, sim. Ele apresenta o melhor remédio para corrigir o vício que condena – ou seja, que eles deviam habitualmente se limitar à verdade e fidelidade em todos os seus ditos. Pois de onde vem o ímpio hábito de jurar, senão porque tal é a falsidade dos homens que somente as suas palavras não são cridas? Pois, se observassem a fidelidade, como deveriam, em suas palavras, não haveria necessidade de tantos juramentos supérfluos.
Como, então, a perfídia ou leviandade dos homens é a fonte da qual se deriva o vício dos juramentos, a fim de remover o vício, Tiago ensina-nos que a fonte deve ser removida; pois o modo correto de curar é começando com a causa da doença.
Algumas cópias trazem: “Seja a vossa palavra (ou discurso) sim, sim; não, não”.
Contudo, a verdadeira leitura, e a comumente recebida, é a que forneci; e o que ele quer dizer eu já expliquei – isto é, que devemos dizer a verdade, e ser fiéis em nossas palavras.
Com o mesmo propósito é o que Paulo diz em 2 Co 1:18 – que ele não era em sua pregação sim e não, mas seguia a mesma direção desde o começo. Para que não caiais em condenação.
Existe uma leitura diferente, devido à afinidade das palavras ὑπὸ κρίσιν e ὑπόκρισιν.
Se lerdes: “em juízo” ou condenação, o sentido será claramente de que tomar o nome de Deus em vão não ficará impune. Mas não é inadequado dizer: “em hipocrisia”, porque, quando a simplicidade, conforme já foi dito, prevalece entre nós, a ocasião para juramentos supérfluos é cortada.
Se, então, a fidelidade se mostra em tudo o que dizemos, a dissimulação, que nos leva a jurar temerariamente, será removida.
Está alguém entre vós aflito?
Ele quer dizer que não há tempo em que Deus não nos convide a si. Pois as aflições devem nos estimular à oração; a prosperidade nos fornece ocasião para louvarmos a Deus.
Mas tal é a perversidade dos homens que não podem se regozijar sem se esquecer de Deus, e que, quando afligidos, são abatidos e levados ao desespero. Devemos, então, nos manter dentro dos devidos limites, de modo que a alegria, que normalmente nos faz esquecer de Deus, possa nos induzir a anunciar a bondade de Deus; e que a nossa tristeza possa nos ensinar a orar.
Pois ele pôs o cantar de salmos em oposição à alegria profana e desenfreada; e assim expressam sua alegria aqueles que pela prosperidade são levados, tal como deveriam, a Deus.
14. Está alguém entre vós doente?
A forma dada por Tiago ao dom da cura era de direcionar os doentes a recorrerem a esse remédio.
De fato, é certo que nem todos eram curados; mas o Senhor concedia este favor quantas vezes e até onde sabia ser oportuno; e também não é provável que o óleo fosse aplicado indiscriminadamente, mas somente quando houvesse alguma esperança de restauração.
Pois, juntamente com o poder, também fora dada discrição aos ministros, para que não profanassem o símbolo pelo abuso.
O propósito de Tiago não era outro senão recomendar a graça de Deus de que os fiéis podiam então desfrutar, para que o seu benefício não fosse perdido por desprezo ou negligência.
Com este propósito, ele ordenou que os presbíteros fossem buscados, mas o uso da unção deveria ser confinado ao poder do Espírito Santo.
Os papistas se jactam muitíssimo desta passagem, quando procuram passar a sua extrema unção.
Mas quão diferente é a corrupção deles da antiga ordenança mencionada por Tiago.
No momento, não me ocuparei de demonstrar.
Que os leitores aprendam isto pelas minhas Institutas.
Apenas direi isto – que esta passagem é ímpia e ignorantemente pervertida quando a extrema unção é estabelecida através dela, e é chamada de sacramento a ser perpetuamente observado na Igreja.
De fato, admito que foi usada como um sacramento pelos discípulos de Cristo (pois não posso concordar com aqueles que pensam que fosse remédio); mas, como a realidade deste sinal perdurou apenas por um período de tempo na Igreja, o símbolo também deveria existir apenas por um tempo.
E está bem evidente que nada é mais absurdo do que chamar de sacramento aquilo que é nulo e não nos apresenta realmente o que significa.
Que o dom de cura foi temporário, todos são obrigados a admitir, e os eventos provam claramente; nesse caso, o seu sinal não deveria ser considerado perpétuo.
Por onde segue-se que aqueles que atualmente põem a unção entre os sacramentos não são os verdadeiros seguidores, e sim macaqueadores dos Apóstolos, a não ser que restaurem o efeito produzido por ela – o qual Deus retirou do mundo há mais de mil e quatrocentos anos.
Por isso não temos nenhuma disputa quanto a se a unção fora antes um sacramento; mas se ela foi dada para existir perpetuamente.
Este último negamos, porque é evidente que a coisa significada há muito cessou.
Os presbíteros, ou anciãos, da igreja.
Incluo aqui genericamente todos os que presidiam sobre a Igreja, pois não somente os pastores eram chamados de presbíteros ou anciãos, mas também aqueles que eram eleitos dentre o povo para serem como que censores para garantir a disciplina.
Pois toda a igreja possuía, por assim dizer, o seu próprio senado, escolhido dentre homens de influência e integridade comprovada.
Mas como era costumeiro escolher especialmente aqueles que eram dotados de dons mais do que ordinários, ele os mandou buscar os anciãos, como sendo aqueles em quem o poder e a graça do Espírito Santo mais particularmente se revelava.
Orem sobre ele.
Este costume de orar sobre alguém tinha a finalidade de mostrar que eles estavam como que diante de Deus; pois, quando chegamos como que à própria cena, expressamos orações com maior sentimento; e não apenas Eliseu e Paulo, mas o próprio Cristo, estimularam o fervor na oração e recomendaram a graça de Deus assim orando pelas pessoas (2 Rs 4:32; At 20:10; Jo 11:41).
15. A oração da fé salvará.
Mas deve-se observar que ele relaciona a promessa com a oração para que não fosse feita sem fé. Pois aquele que duvida, como alguém que não invoca corretamente a Deus, é indigno de obter qualquer coisa, conforme vimos em Tg 1:5-8.
Todo aquele então que realmente procura ser ouvido deve estar plenamente persuadido de que não ora em vão. Como Tiago apresenta diante de nós este dom especial, para o qual o ritual externo era apenas um acréscimo, por aqui aprendemos que o óleo não poderia ser usado corretamente sem fé.
Mas, visto como se torna evidente que os papistas não têm nenhuma certeza quanto à sua unção, pois é manifesto que eles não têm o dom, é evidente que a unção deles é espúria.
E, se houver cometido pecados.
Isto não é acrescentado apenas por ênfase – como se tivesse dito que Deus daria algo mais ao doente além da cura do corpo – mas porque as doenças eram muitas vezes infligidas por conta de pecados; e, falando da sua remissão, ele sugere que a causa do mal seria removida.
E, de fato, sabemos que Davi, quando afligido com a doença e, procurando alívio, empenhara-se totalmente em buscar o perdão dos seus pecados. Por que razão fez isto, senão porque, embora reconhecesse o efeito das suas faltas em seu castigo, considerasse que não houvesse outro remédio, a não ser que o Senhor deixasse de lhe imputar os seus pecados?
Os profetas estão cheios desta doutrina – de que os homens são socorridos de seus males quando são libertados da culpa das suas iniquidades.
Saibamos então que este é o único remédio apropriado para nossas doenças e outras calamidades – quando atentamente nos examinamos, sendo solícitos em nos reconciliar com Deus, e obter o perdão de nossos pecados.
16. Confessai as vossas culpas uns aos outros.
Em algumas cópias é apresentada a partícula ilativa, e também não é inapropriada, pois, mesmo quando não expressa, deve ser subentendida.
Ele havia dito que os pecados seriam perdoados aos doentes sobre os quais os anciãos orassem; agora, lembra-os de quão útil é revelar nossos pecados aos nossos irmãos – isto é, para que possamos obter o perdão dos mesmos pela sua intercessão.Sei que esta passagem é explicada por muitos como se referindo à reconciliação de ofensas; pois aqueles que querem voltar em favor devem necessariamente conhecer primeiro as suas próprias faltas e confessá-las.
Pois de onde vem que os ódios lancem raízes, sim, e aumentem e se tornem irreconciliáveis, senão porque cada um defenda perniciosamente a sua própria causa.
Por isso muitos pensam que Tiago aponta aqui o meio da reconciliação fraternal – a saber, pelo reconhecimento mútuo dos pecados. Mas, conforme se disse, seu objetivo era diferente; pois relaciona a oração mútua com a confissão mútua, por meio de que sugere que a confissão serve a este fim – que possamos ser ajudados quanto a Deus pelas orações de nossos irmãos; pois aqueles que conhecem as nossas necessidades são estimulados a orar para nos auxiliar, mas aqueles a quem nossas doenças são desconhecidas são mais tardios em nos trazer auxílio.
17. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós e, orando, pediu que não chovesse e, por três anos e seis meses, não choveu sobre a terra.
18. E orou outra vez, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto.
19. Irmãos, se algum dentre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter,
20. Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados
Pode muito.
Para que ninguém pense que isto é feito sem fruto – ou seja, quando outros oram por nós – ele menciona expressamente o benefício e o efeito da oração.
Mas ele nomeia especificamente a oração de um reto ou justo; porque Deus não ouve aos infiéis, nem é aberto o acesso a Deus, senão através de uma boa consciência; não que as nossas orações estejam fundamentadas em nossa própria dignidade, e sim porque o coração deve ser purificado pela fé antes de podermos nos apresentar diante de Deus.
Então, Tiago testifica que o justo ou fiel ora beneficamente por nós, e não sem fruto.
Mas o que ele quer dizer, ao acrescentar efetiva ou eficaz?
Pois isto parece supérfluo, já que, se a oração pode muito, sem dúvida é eficaz.
O intérprete antigo traduziu como “assídua”, mas isto é forçado demais. Pois Tiago usa o particípio grego, ἐνεργούµεναι, que significa “operante”.
E a sentença pode ser explicada assim: “pode muito, porque é eficaz”.
Como é um argumento tirado deste princípio – que Deus não permitirá que as orações dos fiéis sejam nulas ou inúteis – por isso, não injustamente ele conclui que ela pode muito.
Mas eu preferiria confinar isto ao presente caso: nossas orações podem ser apropriadamente consideradas ἐνεργούµεναι (operantes), quando vem ao nosso encontro alguma necessidade que incite em nós uma oração sincera.
Oramos diariamente por toda a Igreja, para que Deus perdoe os seus pecados; mas, nesse caso, nossa oração só é realmente sincera quando nos apresentamos para socorrer aqueles que estão em dificuldade.
Mas tal eficácia não pode estar nas orações de nossos irmãos, a não ser que saibam que estamos em dificuldades. Por isso a razão dada não é genérica, mas deve-se referi-la especialmente à sentença anterior.
17. Elias era homem.
Existem inúmeros casos na Escritura do que pretendia provar; mas ele escolheu um que é notável acima de todos os demais, pois foi algo formidável que Deus fizesse o céu de certo modo sujeitar-se às orações de Elias, obedecendo aos seus desejos.
Elias manteve o céu fechado pelas suas orações durante três anos e meio; e abriu-o novamente, de modo que derramou abundância de chuva.
Por onde se revelou o poder maravilhoso da oração. Bem conhecida é esta notável história, e encontra-se em 1 Rs 17 e 18. E, embora ali não se diga expressamente que Elias orou pedindo seca, pode-se facilmente deduzir isto, e que a chuva também fora dada em resposta às suas orações.
Mas devemos observar a aplicação do exemplo.
Tiago não diz que se deve pedir seca ao Senhor porque Elias a obteve; pois podemos, por zelo irrefletido, imitar presunçosa e insensatamente o Profeta.
Devemos então observar a regra da oração, de modo que ela seja pela fé.
Portanto, ele assim acomoda este exemplo – que, se Elias foi ouvido, do mesmo modo também seremos ouvidos quando orarmos corretamente. Pois, assim como a ordem para a oração é comum, e assim como a promessa é comum, segue-se que o efeito também será comum.
Para que ninguém objetasse e dissesse que estamos mui longe da dignidade de Elias, ele o coloca em nosso próprio nível, dizendo que era homem mortal e sujeito às mesmas paixões que nós.
Pois tiramos menos proveito dos exemplos dos santos porque os imaginamos terem sido semideuses ou heróis, que tinham uma comunicação peculiar com Deus; de modo que, pelo fato de terem sido ouvidos não recebemos nenhuma confiança.
A fim de remover esta superstição profana e pagã, Tiago nos lembra de que os santos devem ser considerados como tendo a fraqueza da carne; de modo que aprendamos a atribuir o que alcançaram do Senhor, não aos seus méritos, e sim à eficácia da oração.
Por aqui se mostra quão pueris são os papistas, os quais ensinam os homens a correrem para a proteção dos santos, porque estes foram ouvidos pelo Senhor. Pois assim raciocinam: “Porque ele alcançou o que pediu enquanto viveu no mundo, agora, depois da morte, será o nosso melhor benfeitor”.
Este tipo de requinte sutil era completamente desconhecido ao Espírito Santo. Pois Tiago argumenta que, pelo contrário, assim como as orações deles puderam muito, também devemos, de modo semelhante, orar hoje de acordo com o exemplo deles, e que não faremos isto em vão.
20. Saiba.
Estou em dúvida se isto deveria antes ter sido escrito γιvώσκετε, “sabeis”. Em ambos os casos, porém, o sentido é o mesmo. Pois Tiago recomenda-nos a correção de nossos irmãos a partir do efeito produzido, para que mais assiduamente atentemos para este dever.
Nada é melhor ou mais desejável do que livrar uma alma da morte eterna; e isto é o que faz aquele que restaura um irmão errante ao caminho reto; portanto, uma obra tão excelente não deve de modo algum ser negligenciada.
Dar comida aos famintos, e bebida aos sedentos – sabemos o quanto Cristo valoriza tais atos; mas a salvação da alma é considerada por ele muito mais preciosa do que a vida do corpo.
Devemos, portanto, ter cuidado para que, pela nossa indolência, não pereçam as almas cuja salvação de certo modo Deus põe em nossas mãos. Não que possamos conferir a salvação a elas; mas Deus, pelo nosso ministério, livra e salva aqueles que parecem, de outro modo, estar próximos da destruição.
Algumas cópias trazem sua alma, o que não provoca nenhuma mudança no sentido.
Contudo, prefiro a outra leitura, pois tem mais força.
E cobrirá uma multidão de pecados.
Ele faz mais uma alusão a um dito de Salomão do que uma citação (Pv 10:12).
Salomão afirma que o amor cobre pecados, assim como o ódio os proclama.
Pois aqueles que odeiam ardem com o desejo da difamação mútua; mas aqueles que amam estão dispostos ao exercício da indulgência mútua.
O amor, então, sepulta pecados quanto aos homens.
Tiago ensina aqui algo mais elevado – ou seja, que os pecados são apagados diante de Deus; como se tivesse dito que Salomão declarou isto como o fruto do amor – que o mesmo cobre pecados.
Mas não existe nenhum modo melhor ou mais excelente de cobri-los do que quando são completamente abolidos diante de Deus. E isto é feito quando o pecador é trazido, pela nossa admoestação, ao caminho reto; devemos então atentar especialmente e ainda mais cuidadosamente para este dever.
7.
Sede pois, irmãos, pacientes até à vin-
da do Senhor. Eis que o lavrador espera
o precioso fruto da terra, aguardando-o
com paciência, até que receba a chuva
temporã e seródia.
7.
Patienter ergo agite, fratres, usque in
adventum Domini. Ecce agricola expectat
pretiosum fructum terrae, patienter se ge-
rens erga eum, donec recipiat pluvium
matutinam et vespertinam.
8.
Sede vós também pacientes, fortalecei
os vossos corações; porque já a vinda do
Senhor está próxima.
8.
Patienter ergo agite et vos; confirmate
corda vestra, quonim adventus Domini
propinquus est.
9.
Irmãos, não vos queixeis uns contra os
outros, para que näo sejais condenados.
Eis que o juiz está à porta.
Comentários
Postar um comentário