Capítulo 3

                                                  CAPÍTULO 3 


1. Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo. 
2. Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito, e poderoso para também refrear todo o corpo. 
3. Ora, nós pomos freio nas bocas dos cavalos, para que nos obedeçam; e conseguimos dirigir todo o seu corpo.  
4. Vede também as naus que, sendo tão grandes, e levadas de impetuosos ventos, se viram com um bem pequeno leme para onde quer a vontade daquele que as governa.  
5. Assim também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas.Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia. . 
6. A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno.

1. Muitos não sejam mestres.

A interpretação comum e quase universal desta passagem é que o Apóstolo desencoraja o desejo pelo ofício do ensino, e por esta razão – porque é perigoso, e expõe o indivíduo a um juízo mais pesado, caso ele transgrida; e pensam que ele disse: 

Muitos não sejam mestres, porque deveria haver alguns. Mas entendo que mestres não são os que cumpriam um dever público na Igreja, e sim aqueles que tomavam sobre si o direito de julgar os outros – pois tais repreensores deveriam ser considerados como mestres da moral. 

E é um modo de falar usual entre os gregos, bem como latinos – que fossem chamados de mestres aqueles que arrogantemente censurassem aos outros .

E que ele os proibisse de serem muitos, foi pela seguinte razão – porque havia muitos em toda a parte que confiavam em si mesmos; pois é, por assim dizer, uma enfermidade inata aos homens procurar obter reputação acusando aos outros. 
E, neste aspecto, um duplo vício prevalece – ainda que poucos se sobressaiam em sabedoria, todos se intrometem indiscriminadamente no ofício de mestres; e assim poucos são influenciados por um sentimento justo, pois a hipocrisia e a ambição os estimulam, e não um cuidado pela salvação de seus irmãos. 

Pois deve-se observar que Tiago não desencoraja aquelas admoestações fraternais, que o Espírito frequentemente e tanto nos recomenda, mas aquele desejo imoderado de condenar, que procede da ambição e do orgulho, quando alguém se exalta contra o seu próximo, difama, critica, corrói e procura malevolamente aquilo que ele possa desviar para um propósito sinistro – pois isto é normalmente feito quando censores impertinentes desta natureza se vangloriam insolentemente na obra de expor os vícios dos outros.

Deste ultraje e aborrecimento Tiago nos manda voltar; e ele acrescenta uma razão – porque aqueles que deste modo são severos para com os outros sofrerão um castigo mais pesado; pois impõe uma lei dura sobre si aquele que prova as palavras e feitos dos outros de acordo com a regra do extremo rigor; e também não merece perdão aquele que não quer perdoar ninguém.

Esta verdade deve ser cuidadosamente observada – de que aqueles que são rígidos demais para com seus irmãos provocam contra si mesmos a severidade de Deus.

2. Porque todos tropeçamos em muitas coisas.

Isto pode-se admitir como tendo sido dito por concessão – como se tivesse dito: Seja que encontrastes o que seja culpável em teus irmãos, pois ninguém está livre de pecados; mas pensas que és perfeito, tu que usas de uma língua difamadora e virulenta?

Mas a mim parece que Tiago nos exorta, por meio deste argumento, à mansidão, visto como também estamos nós mesmos cercados de muitas fraquezas; pois age injustamente aquele que nega aos outros o perdão de que ele mesmo precisa. 

Assim também Paulo diz, quando manda que os que caíram sejam repreendidos amavelmente, e com espírito de mansidão; pois acrescenta logo em seguida: “olhando por ti mesmo, para que também não sejas tentado” (Gl 6:1). 

Pois não há nada que sirva melhor para moderar o rigor extremo do que o conhecimento da nossa própria fraqueza.

Se alguém não tropeça em palavra. 

Após ter dito que não há ninguém que não peque em muitas coisas, agora ele mostra que a fraqueza da maledicência é mais odiosa do que outros pecados; pois, dizendo que aquele que não peca com a sua língua é perfeito, ele sugere que o comedimento da língua é uma grande virtude, e uma das maiores virtudes. 
Por isso agem mui perversamente aqueles que examinam curiosamente cada falta, até as menores, e por outro lado se indultam tão grosseiramente. 

Então, aqui ele trata indiretamente da hipocrisia dos censores, porque, ao se examinarem, eles omitiam o mais importante, e que era de grande importância – a saber, a sua maledicência; pois aqueles que reprovavam a outros pretendiam um zelo de santidade perfeita, mas deviam ter começado com a língua, se quisessem ser perfeitos. 

Como não faziam caso de refrear a língua, mas, pelo contrário, mordiam e despedaçavam os outros, eles exibiam apenas uma santidade fictícia. 

Por onde fica evidente que eles eram os mais repreensíveis de todos, porque negligenciavam uma virtude primária. Este contexto torna o sentido do Apóstolo claro para nós.

3. Nós pomos freio nas bocas dos cavalos.

Por meio destas duas comparações ele prova que grande parte da verdadeira perfeição está na língua, e que ela exerce domínio, como acabara de dizer, sobre toda a vida. 

Ele compara a língua, primeiro, a um freio, e depois ao leme de um barco. 

Embora o cavalo seja um animal violento, ele é submetido à vontade do seu cavaleiro porque lhe é posto o freio; não menos a língua pode servir para governar o homem. 

Assim também com respeito ao leme de um barco, que guia uma grande embarcação e supera a impetuosidade dos ventos. Embora a língua seja um membro pequeno, ela é de grande valia para regular a vida do homem.

E gloria-se de grandes coisas. 

O verbo µεγαλαυχεῖν significa gloriar-se, ou ostentar

Mas, nesta passagem, Tiago não intentava tanto reprovar a ostentação quanto mostrar que a língua é executora de grandes coisas – pois nesta última cláusula ele aplica as comparações anteriores ao seu assunto; e a vanglória não é conveniente para o freio e o leme
Então, ele quer dizer que a língua é dotada de grande poder. 

Verti o que Erasmo traduziu como impetuosidade por inclinação do piloto ou guia – pois ὁρµὴ significa desejo
De fato, admito que entre os gregos designa aquelas paixões que não são subservientes à razão. Mas aqui Tiago simplesmente fala da vontade do piloto.

Agora ele explica os males que procedem da negligência no comedimento da língua, para que saibamos que a língua pode causar muito bem ou muito mal – que, se for modesta e bem regulada, ela se torna um freio para a vida inteira; mas que, se for petulante e violenta, como um fogo ela destrói todas as coisas.

Ele a representa como um pequeno fogo, para sugerir que esta pequenez da língua não será um impedimento para que seu poder não se estenda a toda a parte, causando dano.

Acrescentando que ela é um mundo de iniquidade, é o mesmo que se a tivesse chamado de mar ou abismo. E apropriadamente ele relaciona a pequenez da língua com a vastidão do mundo; de acordo com este significado, uma porção delgada de carne contém em si todo o mundo de iniquidade. 

Assim também a língua. 

Ele explica o que queria dizer pelo termo mundo – a saber, porque o contágio da língua se espalha por toda a parte da vida; ou antes, ele mostra o que entendia pela metáfora do fogo – a saber, que a língua contamina todo o homem. 

Contudo, logo em seguida volta para o fogo, e diz que todo o curso da natureza é inflamado pela língua. E compara a vida humana a um curso, ou roda; e γένεσις, assim como antes, ele toma no sentido de natureza (Tg 1:23)

O sentido é que, quando outros vícios são corrigidos pela idade ou pela sucessão do tempo, ou quando ao menos nesse caso não possuem todo o homem, o vício da língua se espalha e prevalece sobre cada parte da vida; a menos que alguém prefira tomar inflamando como significando um impulso violento – pois chamamos de abrasamento aquilo que é acompanhado de violência. 

E assim Horácio fala acerca das rodas – pois ele chama as carruagens em batalha de abrasadoras, por conta da sua rapidez. O sentido então seria de que a língua é como cavalos indomados – pois, assim como estes puxam violentamente as carruagens, do mesmo modo a língua incita o homem abruptamente pelo seu próprio desregramento.

Quando diz que ela é inflamada pelo inferno, é o mesmo que se ele tivesse dito que o ultraje da língua é a chama do fogo infernal
Pois, assim como os poetas pagãos imaginavam que os ímpios são atormentados pelas tochas das Fúrias, do mesmo modo é verdade que Satanás, pelos abanos da tentação, incita o fogo de todos os males no mundo; mas Tiago quer dizer que o fogo, enviado por Satanás, é mais facilmente apanhado pela língua, de modo que ela queima imediatamente – em suma, que ela é um material apropriado para receber, ou alimentar, ou aumentar o fogo do inferno.

7. Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana; 
8. Mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está cheia de peçonha mortal.  
9. Com ela bendizemos a Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus.  
10. De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim.  
11. Porventura deita alguma fonte de um mesmo manancial água doce e água amargosa?  
12. Meus irmãos, pode também a figueira produzir azeitonas, ou a videira figos? Assim tampouco pode uma fonte dar água salgada e doce. 

7. Porque toda a natureza de bestas feras.

Esta é uma confirmação da última cláusula; pois, que Satanás governe mais eficazmente através da língua ele prova por meio disto – que ela não pode ser trazida de modo algum à devida ordem; e enfatiza isto por meio de comparações. 

Pois afirma que não existe nenhum animal tão selvagem ou feroz que não seja domesticado pela habilidade humana – quer sejam peixes, que de certo modo habitam em outro mundo; quer aves, que são tão ligeiras e móveis; e quer serpentes, que são tão inimigas do homem, às vezes são domesticadas. Como, então, a língua não pode ser refreada, deve haver algum fogo secreto do inferno oculto nela.

O que ele diz acerca de feras selvagens, de serpentes, e de outros animais, não deve ser entendido com respeito a todos eles; basta que a habilidade humana subjugue e domestique alguns dos mais ferozes deles, e também que serpentes às vezes sejam domesticadas. Ele se refere ao tempo presente e  passado – o presente diz respeito ao poder e capacidade, e o passado, ao uso ou experiência. 

Por onde justamente conclui que a língua está cheia de veneno mortal.

 Uma má língua é o orgão do diabo”.—Estius.

Embora todas estas coisas mui apropriadamente se refiram, em primeiro lugar, ao tema desta passagem – que reivindicam um mando excessivo sobre outros aqueles que laboram sob um vício pior – contudo, pode-se entender que uma doutrina universal é ensinada aqui – que, se desejamos formar corretamente a nossa vida, devemos nos esforçar especialmente por refrear a língua, pois nenhuma parte do homem causa maior dano. 

9. Com ela, ou, por meio dela, bendizemos a Deus.

É um exemplo claro do seu veneno mortal – que ela possa, deste modo, por uma leviandade monstruosa, transformar-se; pois, quando pretende bendizer a Deus, imediatamente o amaldiçoa na sua própria imagem – ou seja, amaldiçoando os homens. 

Pois, como Deus deve ser bendito em todas as suas obras, ele deve ser tanto mais especialmente quanto aos homens, em quem a sua imagem e glória resplandecem peculiarmente. 

Então, é uma hipocrisia insuportável, quando o homem emprega a mesma língua para bendizer a Deus e amaldiçoar os homens. 

Nesse caso, não pode haver nenhuma invocação a Deus, e o seu louvor necessariamente cessará, quando a maledicência prevalecer; pois é uma ímpia profanação do nome de Deus, que a língua seja virulenta para com os nossos irmãos e pretenda louvá-lo. 

Portanto, para que possa louvar devidamente a Deus, a visão da maledicência quanto ao nosso próximo deve ser especialmente corrigida

Esta verdade particular também se deve ter em mente – de que censores rigorosos revelam a sua própria virulência, quando subitamente vomitam contra os seus irmãos qualquer maldição que possam imaginar, após terem oferecido, em doces melodias, louvores a Deus. 

Se alguém objetasse e dissesse que a imagem de Deus na natureza humana foi apagada pelo pecado de Adão, de fato, temos de confessar que ela foi miseravelmente deformada, mas de tal modo que ainda se mostram alguns dos seus contornos. 

A justiça e a retidão, e a liberdade de escolher o que é bom, foram perdidas; mas muitos dons excelentes, pelos quais nos sobressaímos aos animais irracionais, ainda permanecem. 

Então, aquele que verdadeiramente adora e honra a Deus terá receio de falar caluniosamente acerca do homem. 

11. Porventura alguma fonte.

Ele aduz estas comparações a fim de mostrar que uma língua amaldiçoadora é algo monstruoso, contrário a toda a natureza, e subverte a ordem estabelecida por Deus em toda a parte. 

Pois Deus ordenou as coisas contrárias de tal modo que os seres inanimados deveriam nos impedir de uma mistura caótica, tal como certamente se encontra em uma língua dupla.

13. Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria.  
14. Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. 
15. Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica. 
16. Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa. 
17. Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia.  
18. Ora, o fruto da justiça semeia-se na paz, para os que exercitam a paz.

13. Quem é sábio.

Como a paixão da calúnia surge principalmente pelo orgulho, e como o falso conceito de sabedoria na maioria das vezes gera orgulho, por isso ele fala aqui a respeito da sabedoria

É comum que os hipócritas exaltem e se destaquem incriminando todos os outros, como acontecia antigamente com muitos filósofos, que buscavam glória para si por um cáustico abuso de todas as outras ordens. 

Tal arrogância com que os homens difamadores se incham e pela qual são cegados, Tiago contém negando que a presunção de sabedoria, de que os homens se gabam, tenha em si algo de divino; mas, pelo contrário, ele declara que ela procede do maligno.

O sentido então é de que censores arrogantes, que muito se indultam, e ao mesmo tempo não poupam ninguém, parecem ser muito sábios a si mesmos, mas estão muito enganados; pois o Senhor ensina seu povo de modo mui diferente – ou seja, a serem mansos, e corteses para com os outros. 

Então, somente são sábios à vista de Deus aqueles que unem esta mansidão a um modo de viver honesto – pois aqueles que são severos e inexoráveis, ainda que possam se sobressair a outros em muitas virtudes, não seguem o caminho reto da sabedoria.

14. Mas, se tendes amarga inveja. 

Ele assinala os frutos que procedem daquela austeridade extrema que é contrária à mansidão; pois o rigor imoderado necessariamente gera emulações perniciosas, que logo irrompem em contendas. 

De fato, é um modo inapropriado de falar, situar as contendas no coração; mas isto não afeta o significado, pois o objetivo era demonstrar que a má disposição do coração é a fonte destes males.

Ele chamou a inveja, ou emulação, de amarga, porque ela não prevalece, senão quando as mentes são de tal modo infectadas com o veneno da malignidade que tornam todas as coisas em amargura.

Para que então possamos realmente nos gloriar de que somos filhos de Deus, ele nos manda agirmos tranquila e mansamente em relação aos nossos irmãos; de outro modo, declara que estamos mentindo, ao assumir o nome de cristãos. Mas não é sem razão que ele acrescentou a companhia da inveja – a saber, o sentimento faccioso, ou contenda; pois as disputas e rixas sempre surgem a partir da malignidade e inveja.

15. Essa não é a sabedoria que vem do alto.

Como os hipócritas cedem com dificuldade, ele conteve prontamente a arrogância deles, negando que fosse da verdadeira sabedoria que estivessem inchados, enquanto fossem extremamente rabugentos em descobrir os vícios de outros. 

Concedendo-lhes, porém, o termo sabedoria, ele mostra por meio das palavras que aplica ao seu verdadeiro caráter, e diz que ela é terrena, animal, diabólica ou demoníaca, enquanto a verdadeira sabedoria deve ser celestial, espiritual, divina – estas três coisas sendo diretamente contrárias às três precedentes. 

Pois Tiago tem por certo que não somos sábios, senão quando somos iluminados do alto por Deus, através do seu Espírito. 
Então, por mais que a mente humana possa se engrandecer, toda a sua agudez será vaidade; e não somente isto, mas, estando finalmente envolvida nos ardis de Satanás, ela se tornará completamente delirante

Sensual, ou animal, está em oposição ao que é espiritual

Como em 1 Co 2:14, onde Paulo afirma que o homem sensual ou animal não recebe as coisas de Deus. 

E o orgulho do homem não poderia ter sido humilhado mais eficazmente, do que quando assim é condenada toda a sabedoria que ele tenha de si mesmo, sem o Espírito de Deus; não somente isto, mas quando de si é feita uma transição para o diabo. 

Pois isto é o mesmo que se ele tivesse dito que os homens, seguindo o seu próprio sentido, ou mentes, ou sentimentos, logo se tornaram presa das ilusões de Satanás.

16. Porque onde há inveja.

É um argumento a partir do que é contrário; pois a inveja, pela qual os hipócritas são influenciados, produz efeitos contrários à sabedoria. 

Pois a sabedoria exige um estado de espírito que seja tranquilo e sereno, mas a inveja o perturba, de modo que, em si mesmo, se torna de certo modo tumultuoso, e se excita imoderadamente contra os outros.

Alguns traduzem ἀκαταστασία por inconstância – e às vezes significa isto; mas, como também significa sedição e tumulto, perturbação parece ser mais apropriado para esta passagem. Pois Tiago pretendia expressar algo mais do que leviandade – a saber, que o maligno e caluniador faz tudo confusa e temerariamente, como se estivesse fora de si; e por isso ele acrescenta: toda a obra perversa. 

17. Mas a sabedoria que do alto vem.

Agora ele menciona os efeitos da sabedoria celestial, os quais são totalmente contrários aos efeitos anteriores. 

Em primeiro lugar que ela é pura – por cujo termo exclui a hipocrisia e ambição. 

Em segundo lugar, ele a chama de pacífica, para sugerir que não é contenciosa. 

Em terceiro lugar, ele a chama de moderada, ou humana, para que saibamos que ela está muito longe daquela austeridade imoderada que não tolera nada em nossos irmãos. 

Em quarto lugar a chama de gentil, ou tratável – querendo dizer com isto que ela difere muito do orgulho e da malignidade. 

Em quinto lugar  ele diz que ela é cheia de misericórdia, etc., enquanto a hipocrisia é desumana e inexorável. 

Por bons frutos, ele se refere em geral a todos aqueles deveres que homens benevolentes desempenham para com os seus irmãos – como se tivesse dito que ela é cheia de benevolência. Por onde segue-se que mentem aqueles que se gloriam em sua cruel austeridade.

Mas, embora tivesse condenado suficientemente a hipocrisia quando disse que a sabedoria é pura, ou sincera; ele torna isto mais claro, repetindo a mesma coisa no final. 

Por aqui somos lembrados de que somos desmedidamente rabugentos e austeros por nenhuma outra razão senão por isto – porque nos poupamos demais, e somos coniventes com os nossos próprios vícios. 

Mas o que ele diz: sem parcialidade (sine dijudicatione), parece estranho; pois o Espírito de Deus não remove a diferença entre o bem e o mal; nem nos torna insensíveis a ponto de ficarmos tão sem juízo que louvamos o vício, e o consideramos como virtude. 

A isto eu respondo que Tiago aqui se refere, por discernimento ou parcialidade, àquela inquirição super escrupulosa e excessivamente preocupada, tal como é geralmente mantida pelos hipócritas, que com demasiada minúcia examinam os ditos e feitos de seus irmãos, e lhes dão a pior interpretação .

18. Ora, o fruto da justiça.

Isto admite dois significados – 

O fruto semeado pelos pacíficos, que depois eles colhem; ou, embora tolerem com mansidão muitas coisas em seu próximo, não cessam de semear a justiça. 
Contudo, esta é uma antecipação de uma objeção – pois aqueles que são arrebatados à maledicência pela paixão da calúnia sempre têm esta escusa: “O quê! podemos então remover o mal pela nossa cortesia?” 

Por isso Tiago diz que aqueles que são sábios segundo a vontade de Deus, são tão bondosos, mansos e misericordiosos que não encobrem os vícios, nem os favorecem; mas, pelo contrário, de tal modo que se esforçam por corrigi-los, e contudo de um modo pacífico – ou seja, com moderação, de modo que a união é preservada. 
E, deste modo, ele testifica que aquilo que até aqui havia dito não tende em nenhum grau a acabar com calmas repreensões; mas que aqueles que querem ser médicos para curar vícios não devem ser executores. 

Por isso ele acrescenta: para os que exercitam a paz – o que deve ser explicado assim: aqueles que buscam a paz, não obstante são cuidadosos em semear a justiça; e também não são indolentes ou negligentes em promover e encorajar as boas obras; mas moderam o seu zelo com o condimento da paz, enquanto os hipócritas lançam todas as coisas em confusão por uma violência cega e furiosa. 

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