Capítulo 1
CAPÍTULO 1
1. Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas, saúde.
2. Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias provações;
3. Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência.
4. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma.
Os judeus estavam espalhados em quase todos os cantos do mundo. Então, ele escreveu e exortou a todos aqueles a quem não podia se dirigir pessoalmente, porque estavam espalhados por toda a parte.
( Quando as dez tribos foram deportadas, o rei da Assíria as estabeleceu em diferentes lugares.Houvera uma dispersão oriental e outra ocidental, a primeira no cativeiro assírio e babilônico, e a segunda durante o predomínio do governo grego, que começou com Alexandre o Grande. Como esta epístola foi escrita em grego, não há dúvida de que fora planejada mais especificamente para os desta última dispersão.)
A saudação é peculiar; mas no mesmo formato da carta enviada a Antioquia pelos apóstolos (dos quais Tiago era um), e pela igreja em Jerusalém (At 15:23). Portanto, é apostólica, ainda que adotada a partir de um formato normalmente utilizado pelos escritores pagãos.
2) "Grande gozo"
A primeira exortação é: suportar as provas com um espírito alegre.
E naquele tempo era especialmente necessário confortar os judeus, praticamente esmagados como estavam por dificuldades. Pois o próprio nome da nação era tão infame que eles eram odiados e desprezados por todos os povos, para onde quer que fossem; e sua condição como cristãos os tornava ainda mais miseráveis, porque tinham sua própria nação como seus inimigos mais inveterados.
Ao mesmo tempo, esta consolação não era tão apropriada para um único momento, mas é sempre útil para os fiéis, cuja vida é uma constante batalha na terra.
Para que saibamos mais perfeitamente o que ele quer dizer, sem dúvida precisamos entender tentações ou provas como incluindo todas as coisas adversas; e elas são assim chamadas porque são os testes da nossa obediência a Deus.
Ele manda aos fiéis, enquanto exercitados por elas, a se regozijarem; e isto não apenas quando caem em uma única tentação, e sim em muitas; não apenas de um tipo, mas de vários tipos. E, sem dúvida, visto como servem para mortificar a nossa carne, assim como os vícios da carne espocam constantemente em nós, do mesmo modo elas devem ser necessariamente repetidas com frequência. Além disso, assim como labutamos sob enfermidades, do mesmo modo não é de se surpreender que devam ser aplicados remédios diferentes para removê-las.
Então, o Senhor nos aflige de várias maneiras, porque a ambição, avareza, inveja, glutonaria, intemperança, o amor excessivo ao mundo, e as inúmeras paixões em que abundamos, não podem ser curadas pelo mesmo remédio.
Quando ele nos manda ter grande gozo, é o mesmo que se tivesse dito que as tentações devem ser estimadas como ganho, a fim de que fossem consideradas como ocasiões de alegria.
Em suma, ele quer dizer que não há nada nas aflições que deva perturbar a nossa alegria. E, assim, não apenas nos manda suportarmos as adversidades tranquilamente, e com um espírito sereno, mas nos revela que esta é a razão pela qual os fiéis deveriam se regozijar quando abatidos por elas.
De fato, é certo que todos os sentidos da nossa natureza estão formados de tal modo que toda a prova produz em nós aflição e tristeza; e nenhum de nós pode se despir da sua natureza de tal modo a não se afligir e ficar triste sempre que sinta algum mal.
Mas isto não impede que os filhos de Deus se ergam, pela orientação do Espírito, acima da tristeza da carne. Pois, por outro lado, alguém poderia objetar: “Como podemos considerar como doce aquilo que é amargo ao sentido?”
Então, ele revela, através do efeito, que devemos nos regozijar nas aflições porque elas produzem um fruto que deve ser sumamente valorizado – a paciência.
Se, então, Deus providencia a nossa salvação, ele nos concede um motivo de alegria. Pedro usa um argumento semelhante no começo da sua primeira Epístola: “Para que a prova da vossa fé, mais preciosa do que o ouro, possa estar, etc.” (1 Pe 1:7). Certamente tememos as doenças, e a necessidade, e o exílio, e a prisão, e o opróbrio, e a morte, porque as consideramos como males; mas, quando entendemos que elas são transformadas pela bondade de Deus em socorros e auxílios para a nossa salvação, é ingratidão murmurar, e não nos submetermos, de boa vontade, a sermos assim tratados paternalmente.
Paulo diz, em Rm 5:3, que devemos nos gloriar nas tribulações; e Tiago diz aqui que devemos nos regozijar. “Nos gloriamos”, diz Paulo, “nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência”.
O que vem logo em seguida parece ser contrário às palavras de Tiago; pois ele menciona a provação em terceiro lugar, como o efeito da paciência, que aqui é expressa primeiro, como se fosse a causa.
Mas a solução é óbvia; a palavra ali tem um sentido ativo, mas aqui, passivo. A provação, ou prova, segundo afirma Tiago, produz a paciência; pois, se Deus não nos provasse, mas nos deixasse livres de dificuldades, não haveria a paciência – que não é outra coisa senão firmeza de espírito em suportar os males.
Mas Paulo quer dizer que enquanto, suportando, vencemos os males, experimentamos o quanto é útil o auxílio de Deus nas necessidades; pois, então, a verdade de Deus é como que manifestada a nós na realidade.
Por isso, Paulo ensina que por meio de tal provação, ou seja, por tal experiência da graça divina, é produzida a esperança; não que a esperança só comece aí, mas que ela aumenta e é confirmada. Mas ambos querem dizer que a tribulação é o meio pelo qual a paciência é produzida.
A palavra usada por Tiago é δοχίον (prova) o ato de testar
Paulo, δοχιὴ, o resultado do teste, a experiência.
Tiago fala da provação
Paulo da experiência obtida através dela.
Os espíritos dos homens não são formados pela natureza de tal modo que a aflição em si produza a paciência neles. Mas Paulo e Pedro não consideram tanto a natureza dos homens quanto a providência de Deus através da qual ela vem, que os fiéis aprendam a paciência através das dificuldades; pois os infiéis são, por meio delas, provocados mais e mais à loucura, como prova o exemplo do Faraó.
Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita
Como a ousadia e a coragem geralmente aparecem em nós e logo falham, por isso ele pede a perseverança. “A verdadeira paciência”, diz, “é aquela que sofre até o fim”. Pois obra aqui significa o esforço, não apenas para vencer em uma única disputa, mas para perseverar por toda a vida.
Sua perfeição também pode estar relacionada à sinceridade da alma – que os homens devem de boa vontade, e não fingidamente, se submeterem a Deus; mas, como é acrescentada a palavra obra, prefiro explicá-la no sentido da constância.
Pois existem muitos, conforme dissemos, que a princípio mostram uma grandeza heroica, e logo depois se cansam e desfalecem.
Portanto, ele manda àqueles que queriam ser perfeitos e completos
( “Perfeitos, τέλειοι”, plenamente desenvolvidos, maduros; “completos, ὁλόχληζοι”, inteiros, não faltando nenhuma parte. O primeiro se refere à maturidade da graça; e o segundo à sua completude, não estando em falta nenhuma graça. Eles deviam ser como homens plenamente desenvolvidos; e não deformados ou mutilados, mas tendo todos os seus membros completos. )
Portanto, ele manda àqueles que queriam ser perfeitos e completos que perseverassem até o fim. Mas, o que quer dizer com estas duas palavras, depois ele explica com respeito àqueles que não fracassam nem se cansam; pois os que, sendo vencidos quanto à paciência, se abatem, necessariamente se enfraquecerão aos poucos, e finalmente fracassarão por completo.
5. E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser lhe-á dada.
6. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento, e lançada de uma para outra parte.
7. Não pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa.
8. O homem de coração dobre é inconstante em todos os seus caminhos
Se algum de vós tem falta de sabedoria.
Como a nossa razão, e todos os nossos sentimentos, são avessos ao pensamento de que podemos ser felizes em meio aos infortúnios, ele nos manda pedirmos ao Senhor que nos dê sabedoria.
Sabedoria aqui eu limito ao assunto da passagem – como se tivesse dito:
“Se esta doutrina é mais alta do que vossas mentes possam alcançar, pedi ao Senhor que vos ilumine pelo seu Espírito; pois, assim como somente esta consolação é suficiente para mitigar todas as amarguras dos infortúnios – que aquilo que é doloroso para a carne é salutar para nós; do mesmo modo, seremos necessariamente vencidos pela impaciência, a menos que sejamos sustentados por esta espécie de conforto”.
Como sabemos que o Senhor não exige tanto de nós o que esteja acima da nossa força, mas que ele está pronto a nos ajudar, desde que peçamos; portanto, sempre que nos comanda alguma coisa, aprendamos a pedir dele o poder para cumpri-lo.
Embora, nesta passagem, ser sábio seja submeter-se a Deus na resignação dos males, sob a devida convicção de que ele ordena todas as coisas de tal modo a promover a nossa salvação; por outro lado, a sentença pode ser aplicada em geral a todos os ramos do verdadeiro conhecimento.
Mas, por que ele diz: Se algum de vós, como se todos eles não precisassem de sabedoria?
A isto respondo que todos estão, por natureza, sem ela; mas que alguns são dotados com o espírito de sabedoria, enquanto outros estão sem. Como, então, nem todos tivessem feito progresso tal para se regozijarem na aflição, mas havia poucos a quem isto havia sido concedido; Tiago se referia a casos como estes; e ele lembrava àqueles que ainda não estavam plenamente convencidos de que, através da cruz, sua salvação fora promovida pelo Senhor, que eles deviam pedir para que fossem dotados de sabedoria. E, contudo, não há dúvida de que a necessidade nos lembra a todos de pedirmos a mesma coisa; pois aquele que tem feito o maior progresso ainda está muito longe do alvo. Mas, pedir o incremento da sabedoria é algo diferente de pedi-la pela primeira vez.
Quando nos manda pedirmos ao Senhor, ele nos sugere que somente ele pode curar as nossas enfermidades e aliviar as nossas necessidades.
Que a todos dá liberalmente.
Por todos, ele se refere aos que pedem; pois aqueles que não buscam remédio para as suas necessidades, merecem consumir-se nelas. Contudo, esta declaração universal, pela qual todos nós somos convidados a pedir, sem exceção, é muito importante; por isso, nenhum homem deve privar-se de tão grande privilégio.
Tem o mesmo propósito a promessa que vem logo em seguida; pois, assim como, por meio desta ordem, ele mostra qual é o dever de todos; do mesmo modo afirma que eles não fariam em vão o que ele comanda; conforme aquilo que é dito por Cristo: “Batei, e abrir-se-vos-á” (Mt 7:7; Lc 11:9).
A palavra liberalmente (gratuitamente), denota prontidão em dar.
Assim também Paulo, em Rm 12:8, requer simplicidade nos diáconos.
E, em 2 Co 8 e 9, quando fala da caridade, ou amor, ele repete a mesma palavra diversas vezes.
O sentido, então, é de que Deus está tão disposto e pronto a dar, que ele não rejeita ninguém, nem usa arrogantemente de evasivas para com eles, não sendo como os mesquinhos e sôfregos que, ou, com mão fechada, dão escassamente pouco; ou dão apenas uma parte do que estavam para dar; ou discutem por longo tempo consigo mesmos se devem dar ou não .
E não lança em rosto.
Isto é acrescentado para que ninguém temesse se achegar muitas vezes a Deus. Aqueles que são os mais liberais entre os homens, quando alguém pede para ser ajudado muitas vezes, mencionam seus atos formais de bondade, e assim se escusam quanto ao futuro. Por isso, temos vergonha de cansar um homem mortal, por mais generoso que possa ser, pedindo demasiadas vezes.
Mas Tiago nos lembra de que não há nada semelhante a isto em Deus; pois ele sempre está pronto para acrescentar novas bênçãos às anteriores, sem fim ou limitação.
Peça-a, porém, com fé.
Ele mostra aqui, primeiro, o modo correto de orar; pois, assim como não podemos orar sem a palavra, por assim dizer, mostrando o caminho, do mesmo modo devemos crer antes de orarmos; pois testificamos pela oração que esperamos alcançar de Deus a graça que ele tem prometido.
Assim, todo aquele que não tem fé nas promessas ora dissimuladamente.
Por onde também aprendemos o que é a verdadeira fé; pois Tiago, após ter nos mandado pedir com fé, acrescenta esta explicação: não vacilando, ou em nada duvidando. Então, a fé é aquilo que se apóia nas promessas de Deus, e nos torna seguros de alcançar o que pedimos. Por onde segue-se que ela está conectada à confiança e certeza quanto ao amor de Deus para conosco. O verbo διακρίνεσθαι, que ele usa, significa propriamente indagar de ambos os lados uma questão, à maneira de litigantes. Ele queria então que estivéssemos de tal modo convencidos do que Deus outrora prometeu, que não admitíssemos dúvida quanto a se seremos ouvidos ou não.
Aquele que vacila, ou duvida.
Por meio desta comparação ele expressa admiravelmente como Deus castiga a incredulidade daqueles que duvidam das suas promessas; pois, através da sua própria inquietação, eles se atormentam interiormente; pois nunca há calma para as nossas almas, a não ser que repousem na verdade de Deus.
Finalmente, ele conclui que os tais são indignos de receber qualquer coisa de Deus.
Esta é uma passagem notável, adequada para contestar aquele dogma ímpio que é reputado como um oráculo sob todo o Papado – ou seja, de que devemos orar duvidando, e com incerteza quanto ao nosso sucesso.
Este princípio, então, defendemos, que nossas orações não são ouvidas pelo Senhor, exceto quando temos uma confiança de que alcançaremos. De fato, não pode ser de outro modo, senão que, pela fraqueza da nossa carne, devamos ser sacudidos por várias tentações, as quais são como meios empregados para abalar a nossa confiança; de modo que não há ninguém que não vacile e trema segundo o sentimento da sua carne; mas tentações desta natureza devem ser finalmente vencidas pela fé.
É o mesmo caso de uma árvore que lançou raízes firmes; ela balança, de fato, pelo sopro do vento, mas não é desarraigada; pelo contrário, permanece firme em seu lugar.
O homem de coração dobre, ou, o homem de espírito dobre.
Esta sentença pode ser lida por si mesma, uma vez que ele fala genericamente dos hipócritas.
Contudo, parece-me antes ser a conclusão da doutrina precedente; e, assim, há um contraste implícito entre a simplicidade ou liberalidade de Deus, mencionada antes, e a dobreza de coração do homem; pois, assim como Deus nos dá com mão estendida, do mesmo modo nos convém abrir, em troca, o âmago do nosso coração. Então, ele diz que os incrédulos, que possuem recessos tortuosos, são inconstantes, porque nunca estão firmes ou fixos, mas a um momento incham com a confiança da carne, e em outro afundam nas profundezas do desespero.
9. Mas glorie-se o irmão abatido na sua exaltação,
10. E o rico em seu abatimento; porque ele passará como a flor da erva.
11. Porque sai o sol com ardor, e a erva seca, e a sua flor cai, e a formosa aparência do seu aspecto perece; assim se murchará também o rico em seus caminhos
O irmão abatido.
Assim como Paulo, exortando os servos a suportarem com submissão a sua sorte, apresenta diante deles esta consolação – de que eram livres de Deus, tendo sido libertados pela sua graça do cativeiro mais miserável de Satanás – e os lembra de que, embora livres, eram servos de Deus; do mesmo modo Tiago aqui manda que os abatidos se gloriem nisto, em que haviam sido adotados pelo Senhor como seus filhos; e os ricos, porque haviam sido abatidos à mesma condição, a vaidade do mundo tendo se tornado evidente para eles. Assim, a primeira coisa que deviam fazer era contentar-se com o seu estado abatido e humilde; e ele proíbe os ricos de serem orgulhosos. Visto como é incomparavelmente a maior dignidade ser introduzido na companhia dos anjos; não somente isto, mas ser feito associado de Cristo; aquele que estima devidamente este favor de Deus considerará todas as demais coisas como indignas. Então, nem a pobreza, nem o desprezo, nem a nudez, nem a fome, nem a sede, deixarão seu espírito tão ansioso que ele não se mantenha com esta consolação. “Como o Senhor me concedeu a coisa principal, convém que eu suporte pacientemente a perda das demais coisas, as quais são inferiores”.
12. Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam.
13. Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.
14. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência.
15. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte.
12. Bem-aventurado o homem.
Após ter aplicado a consolação, ele moderou a tristeza daqueles que eram duramente tratados neste mundo, e novamente humilhou a arrogância dos grandes. Agora ele tira esta conclusão – de que são felizes aqueles que suportam magnanimamente as dificuldades e outras provas, elevando-se acima delas. A palavra tentação pode ser, de fato, entendida de outro modo – no sentido dos aguilhões das paixões que incomodam interiormente a alma; mas o que é recomendado aqui, conforme penso, é a firmeza de espírito em suportar as adversidades. Contudo, é um paradoxo que não sejam felizes aqueles a quem todas as coisas vêm de acordo com os seus desejos, e sim aqueles que não são vencidos pelos infortúnios. Porque, quando for provado. Ele dá uma razão para a sentença anterior; pois a coroa vem após a competição. Então, se for a nossa maior alegria sermos coroados no reino de Deus, segue-se que as lutas com que o Senhor nos prova são auxílios e socorros para a nossa felicidade. Assim, o argumento é a partir da finalidade, ou efeito; por onde concluímos que os fiéis são afligidos por tantos infortúnios com este propósito – para que a sua piedade e obediência possam se tornar manifestas, e para que assim eles sejam finalmente preparados para receberem a coroa da vida.
Mas raciocinam absurdamente aqueles, que a partir daqui, inferem que, através da luta, merecemos a coroa; pois, como Deus a designou gratuitamente para nós, nossa luta apenas nos tornará aptos para recebê-la. Ele acrescenta que ela está prometida para aqueles que amam a Deus. Falando assim, não quer dizer que o amor do homem é a causa de ele alcançar a coroa (pois Deus se antecipa a nós pelo seu amor gratuito); mas apenas sugere que os eleitos, os quais o amam, são os únicos aprovados por Deus. Então, ele nos lembra que os vencedores de todas as tentações são aqueles que amam a Deus; e que, quando somos provados, não falhamos em coragem por qualquer outra causa, senão porque o amor do mundo prevalece em nós.
13. Ninguém, sendo tentado.
Aqui, sem dúvida, ele fala de outro tipo de tentação.
É abundantemente evidente que as tentações exteriores, até aqui mencionadas, são enviadas a nós por Deus.
Deste modo, Deus tentou a Abraão (Gn 22:1), e diariamente nos tenta – ou seja, ele nos prova quanto ao que somos, pondo diante de nós uma oportunidade pela qual nossos corações possam se manifestar.
Mas extrair o que está oculto em nossos corações é algo bem diferente de seduzir interiormente os nossos corações através de paixões perversas. Então, ele trata aqui de tentações interiores, as quais não são nada mais do que desejos desordenados que incitam ao pecado.
Ele nega justamente que Deus seja o autor destas, porque elas decorrem da corrupção da nossa natureza.
Este aviso é mui necessário, pois nada é mais comum entre os homens do que transferir para outro a culpa dos males que cometem; e, então, eles parecem especialmente se livrar quando atribuem isto ao próprio Deus.
Imitamos constantemente este tipo de evasiva, transmitida a nós, de alguma forma, desde o primeiro homem.
Por esta razão, Tiago nos convida a confessarmos a nossa própria culpa, e a não comprometermos Deus, como se ele nos compelisse a pecar.
Mas toda a doutrina da Escritura parece ser inconsistente com esta passagem; pois ela nos ensina que os homens são cegados por Deus, são entregues a uma mente réproba, e abandonados às paixões vergonhosas e imundas.
A isto eu respondo que Tiago fora induzido a negar que somos tentados por Deus provavelmente pela seguinte razão – porque os infiéis, a fim de criarem uma escusa, armavam-se com os testemunhos da Escritura.
Mas há duas coisas a serem notadas aqui: quando a Escritura atribui a cegueira ou dureza de coração a Deus, ela não lhe designa o princípio desta cegueira, nem faz dele o autor do pecado, atribuindo-lhe a culpa; e é apenas nestas duas coisas que Tiago se detém.
A Escritura afirma que os réprobos são entregues a paixões depravadas; mas será porque o Senhor deprava ou corrompe seus corações?
De modo nenhum; pois os corações deles estão sujeitos a paixões depravadas porque já são corruptos e viciosos.
Mas, como Deus cega ou endurece, não é ele o autor ou ministro do mal?
Sim, mas deste modo ele castiga os pecados, e confere uma justa recompensa aos infiéis, que se recusaram a ser governados pelo seu Espírito (Rm 1:26).
Por onde segue-se que a origem do pecado não está em Deus, e nenhuma culpa pode ser imputada a ele, como se tivesse prazer nos males (Gn 6:6).
O sentido é de que em vão se esquiva o homem que tenta lançar a culpa dos seus vícios em Deus – porque todo o mal não procede de outra fonte senão da ímpia paixão humana. E o fato na verdade é que não somos desencaminhados de outro modo senão porque todos têm a sua própria inclinação como seu guia e impulsor.
Mas, que Deus não tenta a ninguém, ele prova através disto – porque ele não é tentado pelo mal. Pois é o diabo que nos persuade a pecar, e por esta razão – porque ele queima inteiramente de insana paixão pelo pecado. Mas Deus não deseja o que é mau; portanto, ele não é o autor da má ação em nós
14. Quando engodado pela sua própria concupiscência.
Como a inclinação e o incitamento ao pecado são interiores, em vão o pecador busca uma causa a partir de um impulso exterior. Ao mesmo tempo, estes dois efeitos da paixão devem ser notados – que ela nos seduz pelos seus engôdos, e que ela nos atrai; cada um dos quais sendo suficiente para nos tornar culpados
15. Depois, havendo a concupiscência concebido.
Primeiro, ele chama de paixão, não a que seja algum tipo de má afeição ou desejo, e sim a que é a fonte de todas as más afeições; por meio de que, conforme explica, é concebida uma prole má, que finalmente irrompe em pecados.
Contudo, parece impróprio, e não de acordo com o uso da Escritura, restringir a palavra pecado a obras exteriores, como se na verdade a própria paixão não fosse um pecado, e como se os desejos corruptos, permanecendo encerrados e suprimidos no interior, não fossem tantos pecados.
Mas, como o uso de uma palavra é diverso, não há nada de desarrazoado se for entendida aqui, como em muitos outros lugares, no sentido de pecado real. E os papistas ignorantes se apegam a esta passagem, e procuram provar através dela que as paixões viciosas, sim, imundas, ímpias e mais abomináveis, não são pecados, desde que não haja assentimento; pois Tiago não explica quando o pecado começa a ser gerado – tornando-se pecado, e deste modo sendo imputado por Deus – mas quando o mesmo irrompe. Pois ele procede gradualmente, e mostra que a consumação do pecado é a morte eterna, e que o pecado surge a partir de desejos depravados, e que estes desejos ou afeições depravadas têm sua raíz na paixão.
Por onde segue-se que os homens colhem fruto em perdição eterna, e fruto que têm granjeado para si.
Portanto, por pecado consumado, entendo, não algum ato de pecado perpetrado, mas o curso completo do pecado. Pois, embora a morte seja merecida por qualquer pecado que seja, é dito que ela é a recompensa de uma vida ímpia e perversa.
Por onde é refutado o desvario daqueles que concluem, a partir destas palavras, que o pecado não é mortal enquanto não irrompe, como dizem, em um ato exterior. E também não é disto que Tiago trata; mas o seu objetivo era apenas este – ensinar que está em nós a raíz da nossa própria destruição.
16. Não erreis, meus amados irmãos.
17. Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.
18. Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas.
19. Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.
20. Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus.
21. Por isso, rejeitando toda a imundícia e superfluidade de malícia, recebei com mansidão a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas.
16. Não erreis.
Este é um argumento a partir do que é contrário; pois, como Deus é o autor de todo o bem, é absurdo supor que ele seja o autor do mal.
Fazer o bem é o que propriamente lhe pertence, e está de acordo com a sua natureza; e dele vêm todas as coisas boas para nós.
Então, qualquer mal que ele faça não estará de acordo com a sua natureza.
Mas, como às vezes acontece que aquele que se sai bem durante toda a vida, falhe, por outro lado, em algumas coisas, ele trata desta dúvida negando que Deus seja mutável como os homens.
Mas, se Deus é em todas as coisas e sempre o mesmo, segue-se que fazer o bem é a sua obra perpétua.
Este raciocínio é bem diferente do de Platão, que defendia que nenhuma calamidade é enviada aos homens por Deus, porque ele é bom; pois, embora seja justo que os crimes dos homens sejam castigados por Deus, não é certo, com respeito a ele, considerar entre os males aquele castigo que ele justamente inflige.
De fato, Platão era ignorante; mas Tiago, deixando a Deus o seu direito e ofício de castigar, apenas remove dele a culpa. Esta passagem nos ensina que devemos ser tocados pelas inúmeras bênçãos de Deus, que diariamente recebemos da sua mão, de tal modo que não pensemos em nada além da sua glória; e que devemos aborrecer qualquer coisa que venha à nossa mente, ou seja sugerida por outros, que não seja compatível com o seu louvor.
Deus é chamado de Pai das luzes, como possuindo toda a excelência e a mais alta dignidade.
E, quando acrescenta em seguida que nele não há sombra de variação, ele continua a metáfora; para que não meçamos o esplendor de Deus pela irradiação do sol que se mostra a nós
18. Segundo a sua vontade.
Ele apresenta agora uma prova especial da bondade de Deus que havia mencionado – a saber, que ele nos regenerou para a vida eterna.
Este benefício inestimável todos os fiéis sentem em si. Então, a bondade de Deus, quando conhecida pela experiência, deve remover deles toda a opinião contrária a seu respeito.
Quando diz que Deus, segundo a sua vontade, ou espontaneamente, nos gerou, ele sugere que ele não fora induzido por outra razão – uma vez que a vontade e o conselho de Deus são freqüentemente definidos em oposição aos méritos humanos. Que coisa grandiosa, de fato, teria sido dizer que Deus não fora constrangido a fazer isto?
Mas ele assinala algo mais – que Deus, segundo a sua boa vontade, nos gerou, e deste modo foi uma causa para si. Por onde segue-se que é natural para Deus fazer o bem.
Mas esta passagem nos ensina que, assim como a nossa eleição antes da fundação do mundo foi gratuita, do mesmo modo somos iluminados exclusivamente pela graça de Deus quanto ao conhecimento da verdade, de modo que o nosso chamado corresponde à nossa eleição.
A Escritura revela que fomos adotados gratuitamente por Deus antes de nascermos.
Mas Tiago expressa aqui algo mais – que obtemos o direito de adoção porque Deus também nos chama gratuitamente (Ef 1:4, 5).
Ademais, por aqui aprendemos que é o ofício peculiar de Deus regenerar-nos espiritualmente; pois o fato de que o mesmo às vezes seja atribuído aos ministros do evangelho não significa outra coisa senão isto – que Deus age através deles; e, de fato, isto acontece através deles, mas, não obstante, somente ele faz a obra.
A palavra gerou significa que nos tornamos novo homem, de modo que nos despimos de nossa natureza anterior quando somos eficazmente chamados por Deus. Ele acrescenta como Deus nos gera – a saber, pela palavra da verdade – para que saibamos que não podemos entrar no reino de Deus por qualquer outra porta.
Para que fôssemos como primícias das suas criaturas.
A palavra τινὰ, “alguns”, tem o sentido de semelhança – como se ele tivesse dito que, de certa maneira, somos as primícias.
Mas isto não deve ser restrito a alguns dos fiéis, mas diz respeito a todos em comum. Pois, assim como o homem se distingue entre todas as criaturas, do mesmo modo o Senhor elege alguns dentre toda a massa e os separa como uma oferta santa para si. Não é a uma nobreza comum que Deus exalta seus filhos. Então, justamente se diz que são excelentes como primícias, quando a imagem de Deus é renovada neles.
19. Todo o homem.
Fosse esta uma sentença geral, a inferência seria forçada; mas como, logo em seguida, acrescenta uma sentença a respeito da palavra da verdade que é apropriada para o último verso, não tenho dúvida de que ele acomoda esta exortação particularmente ao assunto em questão.
Então, tendo apresentado diante de nós a bondade de Deus, ele mostra como nos convém estarmos preparados para receber a graça que ele demonstra para conosco. E esta doutrina é muito útil, pois a geração espiritual não é obra de um momento.
Como alguns vestígios do velho homem ainda residem em nós, devemos necessariamente ser renovados durante toda a vida, até que a carne seja abolida; pois, seja a nossa perversidade, ou arrogância, ou preguiça, são um grande impedimento para Deus aperfeiçoar a sua obra em nós.
Por isso, quando Tiago quer que sejamos prontos para ouvir, ele recomenda a prontidão – como se tivesse dito: “Quando Deus tão livre e generosamente se vos apresenta, vós também deveis vos tornar ensináveis, para que vossa indolência não o faça desistir de falar”.
Mas, porquanto não ouvimos tranquilamente Deus falando conosco, quando parecemos ser muito sábios a nós mesmos, mas pela nossa pressa o interrompemos quando se dirige a nós, o Apóstolo pede que fiquemos em silêncio, sejamos tardios em falar.
E, sem dúvida, ninguém pode ser um verdadeiro discípulo de Deus, a não ser que o ouça em silêncio.
Contudo, ele não requer o silêncio da escola pitagórica, como se não fosse correto indagar sempre que desejamos aprender o que é preciso saber; mas ele quer apenas que corrijamos e refreemos a nossa precipitação, para que, como normalmente acontece, não interrompamos oportunamente a Deus, e para que, enquanto ele abre a sua boca santa, possamos abrir para ele nossos corações e nossos ouvidos, e não impedi-lo de falar.
Tardio para se irar.
Penso que a ira também é condenada com respeito à atenção que Deus pede que lhe seja dada, como se, criando um tumulto, ela perturbasse e o impedisse – pois Deus não pode ser ouvido exceto quando o espírito está tranquilo e sereno.
Por isso, ele acrescenta que, enquanto a ira tem o controle, não há lugar para a justiça de Deus. Em suma, a não ser que o calor da contenda seja banido, nunca observaremos para com Deus aquele silêncio tranquilo do qual ele acaba de falar.
21. Por isso, rejeitando.
Ele conclui dizendo como a palavra da vida deve ser recebida. E, de fato, primeiro sugere que ela não pode ser devidamente recebida, a menos que seja implantada, ou lance raízes em nós.
Pois a expressão: recebei a palavra enxertada, deve ser explicada assim: “recebei-a, para que seja realmente implantada”.
Pois ele faz alusão à semente muitas vezes semeada e lançada, e não recebida nos recessos úmidos da terra; ou, a plantas que, sendo lançadas no solo, ou colocadas sobre madeira morta, logo secam.
Então, ele pede que ela seja um enxerto vivo, através do que a palavra se torna unida ao nosso coração.
Ao mesmo tempo, mostra a maneira e o modo desta recepção – a saber, com mansidão.
Por esta palavra, ele se refere à humildade e prontidão de um espírito disposto a aprender, tal como Isaías descreve quando diz: “Em quem repousa o meu Espírito, senão nos mansos e humildes?” (Is 57:15).
Por onde isso está longe de ser proveitoso na escola de Deus, porque dificilmente um em cem renuncia à obstinação do seu próprio espírito, e submete-se gentilmente a Deus; mas quase todos são convencidos e refratários.
Mas, se queremos ser a plantação viva de Deus, devemos submeter nossos corações orgulhosos e sermos humildes, e nos esforçarmos para ser como cordeiros, permitindo-nos ser governados e guiados pelo nosso Pastor.
Mas, assim como os homens nunca são tão tratáveis assim, para terem um coração tranquilo e manso, a não ser que sejam purificados das afeições depravadas; do mesmo modo ele nos manda rejeitarmos toda a imundícia e superfluidade de malícia.
E, como Tiago tomou emprestada uma comparação a partir da agricultura, era necessário que ele observasse esta ordem, começando por arrancar as ervas nocivas.
E, como se dirigiu a todos, a partir disto podemos concluir que estes são os males inatos da nossa natureza, e que eles se apegam a todos nós; sim, como se dirige aos fiéis, ele explica que nunca estamos totalmente purificados deles nesta vida, mas que estão continuamente espocando, e por isso ele requer que se tome constante cuidado por erradicá-los.
Como a palavra de Deus é algo especialmente santo; para estarmos aptos a recebê-la, devemos nos despir das coisas imundas pelas quais temos sido contaminados.
Sob a palavra κακία, ele inclui a hipocrisia e obstinação, bem como os desejos ou paixões ilícitas. Não satisfeito em especificar a sede da impiedade como estando na alma humana, ele nos ensina que tão abundante é a impiedade que habita aí, que ela transborda, ou cresce como que em um montão; e, sem dúvida, todo aquele que se examinar bem descobrirá que há dentro de si um imenso caos de males.
A qual pode salvar.
É um sublime elogio à verdade celestial, que por meio dela alcancemos uma salvação segura; e isto é acrescentado para que aprendamos a buscar, e a amar, e a magnificar a palavra como um tesouro incomparável.
Então, é um aguilhão afiado para açoitar a nossa ociosidade, quando ele diz que a palavra que costumamos ouvir tão negligentemente é o meio da nossa salvação, ainda que, com este propósito, o poder de salvar não seja atribuído à palavra – como se a salvação fosse transmitida através do som externo da palavra, ou como se o ofício de salvar fosse retirado de Deus e transferido para outra parte; pois Tiago fala da palavra que, pela fé, penetra nos corações dos homens, e apenas sugere que Deus, o autor da salvação, comunica-a pelo seu Evangelho.
22. E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos.
23. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural;
24. Porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era.
25. Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecidiço, mas fazedor da obra, este tal será bem aventurado no seu feito.
22. Sede cumpridores da palavra.
O cumpridor aqui não é o mesmo que em Rm 2:13, o qual satisfez a lei de Deus e a cumpriu em todos os aspectos; mas o cumpridor é aquele que abraça de coração a palavra de Deus e testifica, através da sua vida, que ele realmente crê – de acordo com as palavras de Cristo: “Bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam” (Lc 11:28); pois ele mostra pelos frutos o que é aquele enxerto anteriormente citado. Devemos ainda observar que é incluída por Tiago a fé com todas as suas obras – sim, a fé especialmente, pois ela é a maior obra que Deus requer de nós. A importância de tudo isto é que devemos nos esforçar para que a palavra do Senhor lance raízes em nós, para que em seguida possa frutificar.
23. É semelhante ao homem.
A doutrina celestial é de fato um espelho, no qual Deus se apresenta à nossa vista; mas para que sejamos transformados à sua imagem, como Paulo diz em 2 Co 3:18. Mas aqui ele fala do vislumbre exterior dos olhos, não da meditação vivida e eficaz que penetra no coração. É uma comparação surpreendente, pela qual sugere, em poucas palavras, que uma doutrina meramente ouvida, e não recebida interiormente no coração, de nada serve, porque logo desaparece.
25. Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecidiço, mas fazedor da obra, este tal será bem aventurado no seu feito.
26. Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã.
27. A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfäos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo
25. A lei perfeita da liberdade.
Após ter falado acerca da especulação vazia, ele passa agora àquela intuição penetrante que nos transforma à imagem de Deus. E, como tinha de lidar com os judeus, ele emprega a palavra lei – familiarmente conhecida deles – como incluindo toda a verdade de Deus.
Mas, por que ele a chama de lei perfeita, e lei da liberdade, os intérpretes não têm sido capazes de entender; pois não perceberam que aqui há um contraste – o que pode ser deduzido a partir de outras passagens da Escritura.
Enquanto a lei é pregada pela voz exterior do homem, e não gravada pelo dedo e Espírito de Deus no coração, ela é apenas letra morta, e, por assim dizer, algo sem vida. Então, não é de se surpreender que a lei seja considerada imperfeita, e que seja a lei da servidão; pois, como Paulo ensina em Gl 4:24, separada de Cristo, ela gera para a condenação; e, como o mesmo nos mostra em Rm 8:13, ela não pode fazer nada além de nos encher de desconfiança e temor.
Mas o Espírito de regeneração, que a grava em nosso interior, traz também a graça da adoção. Então, isto é o mesmo que se Tiago tivesse dito: “Que o ensino da lei não vos leve mais em cativeiro, mas, pelo contrário, traga-vos à liberdade; que não seja mais apenas um pedagogo, mas vos traga à perfeição; ela deve ser recebida por vós com sincera afeição, a fim de que possais levar uma vida santa e piedosa”. Além disso, com é uma bênção do Antigo Testamento que a lei de Deus deveria nos corrigir, tal como se revelado por Jr 31:33 e outras passagens, segue-se que isto não pode ser alcançado enquanto não nos achegamos a Cristo.
E, sem dúvida, somente ele é o fim e a perfeição da lei; e Tiago acrescenta liberdade, como um associado inseparável, porque o Espírito de Cristo nunca regenera apenas, sem que também se torne um testemunho e uma garantia da nossa adoção divina, libertando nossos corações do temor e tremor.
E persevera.
Isto é perseverar firmemente no conhecimento de Deus; e, quando acrescenta: este tal será bem-aventurado no seu feito, ou obra, ele quer dizer que a bem-aventurança deve ser encontrada no fazer, não em um frio ouvir.15 26. Cuida ser religioso. Agora ele censura, até mesmo naqueles que se orgulhavam de que fossem praticantes da lei, um vício sob o qual os hipócritas normalmente laboram; ou seja, o desregramento da língua na difamação. Antes ele tratara do dever de refrear a língua, mas com um propósito diferente; pois ali ele ordenara o silêncio diante de Deus, para que estivéssemos mais em condições de aprender. Agora, ele fala de outra coisa – que os fiéis não deviam empregar sua língua em maledicência. De fato, era necessário que este vício fosse condenado, quando o assunto era a observância da lei; pois aqueles que deixam os vícios mais grosseiros estão especialmente sujeitos a esta enfermidade. Aquele que não é nem adúltero, nem ladrão, nem beberrão, mas, pelo contrário, parece brilhante com certa amostra exterior de santidade, se estragará defamando os outros – e isto sob o pretexto de zelo, mas na verdade pela paixão da calúnia. O objetivo aqui, então, era distinguir entre os verdadeiros adoradores de Deus e os hipócritas, que estão tão cheios de orgulho farisaico, que buscam louvor através dos defeitos de outros. Se alguém, diz ele, cuida ser religioso, ou seja, que tem uma aparência de santidade, e ao mesmo tempo se gaba falando mal dos outros, por aqui fica evidente que ele não serve verdadeiramente a Deus. Pois, dizendo que a sua religião é vã, ele não apenas sugere que outras virtudes são desfiguradas pela mácula da maledicência, mas que a conclusão é de que o zelo aparente pela religião não é sincero. Antes engana o seu coração. Não aprovo a versão de Erasmo: “Mas permite que seu coração erre”, pois ele indica a fonte dessa arrogância em que estão viciados os hipócritas, através da qual, estando cegados por um amor imoderado de si mesmos, eles acreditam ser bem melhores do que realmente são; e daqui, sem dúvida, vem a doença da calúnia, porque o alforge, como diz Esopo em seu Apólogo, pendurado por detrás, não é visto. Justamente, então, Tiago, querendo remover o efeito, ou seja, a paixão da maledicência, acrescentou a causa – a saber, que os hipócritas se gabem imoderadamente. Pois eles estariam prontos para perdoar se, por sua vez, reconhecessem precisar de perdão. Por isso as bajulações pelas quais se enganam a si mesmos quanto aos seus próprios vícios os tornam censores tão sobranceiros dos outros.
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